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Matéria 5284, publicada em 06/11/2007.


Júlio Lancelotti e a Escola Base

Samuel Lima*

A professora Maria Aparecida Shimada faleceu aos 56 anos, no dia 4/10/2007, e foi sepultada em Nova Granada (a 35km de Rio Preto/SP), sem receber um único centavo de indenização das maiores empresas de comunicação do país. Cida, como era conhecida, foi uma das principais personagens do caso “Escola Base”, que encerra o mais grotesco erro cometido pela grande imprensa brasileira.

Só para rememorar: na Semana Santa de 1994, seis cidadãos comuns, donos de uma escola de educação infantil (a Escola Base, no bairro da Aclimação, em São Paulo) foram acusados de abuso sexual contra crianças. Suas vidas foram arrasadas, a escola depredada pela população, o negócio faliu. Quatro meses depois, um extenso inquérito policial provou que os casais Saulo e Mara Nunes, Icushiro e Cida Shimada, Maurício e Paula Alvarenga eram inocentes. Julgados e condenados pelo tribunal midiático fascista, Cida e os demais recorreram à justiça.

Treze anos depois dos fatos, o processo “dorme” nalguma gaveta do “sancrossanto” Supremo Tribunal Federal (STF). A maior conta é da TV Globo (R$ 1,35 milhão). Os jornais O Estado de S. Paulo (R$ 750 mil), Folha de S. Paulo (R$ 750 mil) e a revista IstoÉ (R$ R$ 600 mil) também foram condenados, em valores de agosto de 2005. Todos recorreram e anunciam que irão recorrer até o limite da chicana jurídica. À lista devem-se juntar ainda a revista Veja, TVs Record, SBT e Bandeirantes, processos ainda tramitando.

Agora, outro caso de repercussão nacional lembra a Escola Base. Trata-se das denúncias envolvendo uma notável figura pública da igreja católica em São Paulo: o padre Júlio Lancelotti, que há décadas dirige a Pastoral do Menor.

Atuando no “front” da criminalidade, transitando em ambiente frequentado por criminosos, padre Lancelotti colecionou um sem-número de desafetos, adversários e inimigos declarados de qualquer iniciativa na área dos direitos humanos. A ocasião se apresenta como ideal para a “vendetta”, e a mídia conservadora oferece seus “tambores” para o justiçamento.

Na edição de 28/10, a Folha de S. Paulo estampou: “Ex-interno diz que fazia sexo por dinheiro com padre”. Um pálido contraditório do advogado de Lancelotti é soterrado pelo peso sensacionalista da afirmação “sexo por dinheiro com padre”. A versão, que seria desmentida menos de uma semana depois pelo próprio acusado, foi duramente criticada pelo jornalista Luiz Weis (Observatório da Imprensa): “Equipara a Folha aos mais repulsivos tablóides ingleses, dos quais se diz que fazem jornalismo de esgoto”.

À guisa de “análise”, a Folha segue apelando e aplicando golpe baixo contra o leitor. O artigo, assinado pelo repórter Leandro Beguoci, é taxativo: “Igreja blinda padre e se protege”. O jornalista nos oferece uma insólita lógica: a Igreja não crê na inocência do padre, apenas “fecha com ele” num gesto de autodefesa.

A acusação mais grave tem como fonte uma “mulher anônima”, que se dizia ex-funcionária da Casa Vida, resta totalmente sem consistência. A polícia diz agora não ter certeza de que a senhora trabalhou na ONG. “Uma acusação dessa gravidade”, observa o jornalista Carlos Brickmann, “num caso já de si explosivo, só pode ser publicada se alguns pressupostos de que poderia ser verídica tivessem sido verificados. Mas não se sabe sequer se a mulher trabalhou onde disse ter trabalhado”. Informação publicada na Folha Online (30/10/2007) revela: ela “foi indicada aos policiais pela Rede Record, do bispo Edir Macedo e da Igreja Universal”.

Há pontos de interrogação nesta história ainda inexplicados, basicamente: (a) Por que o padre aceitou a extorsão durante tanto tempo? (b) Qual foi a quantia repassada aos chantagistas e qual sua origem?

Independentemente da veracidade dos fatos, uma coisa já é definitiva: a grande mídia já julgou e condenou Júlio Lancelotti, sem direito a qualquer recurso ou apelação.


*Jornalista e coordenador do curso de jornalismo do Bom Jesus/ Ielusc

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