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Matéria 5174, publicada em 22/10/2007.


Desafio é descobrir a linguagem do novo jornalismo

Jacques Mick*


Senhoras, senhores,

Em 2006, o Brasil tinha 9,5 milhões de habitantes com ensino superior completo. É o maior número absoluto de toda a história, e também o maior número relativo: 6%. Toda a população brasileira com ensino superior ainda não chegou aos 10%.

Desde 2001, esse volume cresceu quase 50% e a boa notícia é que o ritmo está se acelerando. No ano passado, já havia 5,5 milhões de brasileiros matriculados no ensino superior, mais 378 mil em mestrado ou doutorado. Isso significa que, nos próximos dez anos, a população com ensino superior irá mais que dobrar. Avizinham-se, com isso, importantes mudanças políticas, econômicas, sociais – e, claro, no jornalismo.

Não há qualquer aspecto negativo nessa evolução: mesmo uma universidade ruim incrementa o capital cultural e, se desejar, um bom aluno construirá um percurso marcante, apesar das adversidades. O resultado é uma fração daquilo que o senador Cristóvam Buarque chama de “revolução pela educação”.

Que impactos esse incremento de massa crítica na população pode trazer para nós, jornalistas? O que desejarão esses leitores, telespectadores, ouvintes daqui a uma década, quando Camilla, Carol, Dirlene, Gi, Sarah terão alcançado um outro status em suas trajetórias profissionais?

É certo que, num país de 20 a 30 milhões de cidadãos ilustrados, faltarão jornais de qualidade. No ano passado, a tiragem total média dos diários brasileiros foi de 7,2 milhões de exemplares, com o expressivo crescimento de 6,5% em relação a 2005. A maior parte da expansão deveu-se ao lançamento de diários populares e de jornais em municípios de porte médio. O Estado de Santa Catarina, por exemplo, tem 48 diários e 171 jornais com outra periodicidade, a maior parte deles muito aquém, em qualidade, das exigências de leitores de maior nível cultural.

Argumenta-se que o jornal impresso perderá leitores para outras mídias – e isso é certo. Mas, neste país que aos poucos abandona sua ignorância histórica, durante algum tempo ainda haverá espaço para ampliar o número de exemplares em circulação. Na Noruega, em meados desta década, eram vendidos 704 jornais por grupo de mil habitantes. Na França, eram 164 exemplares por mil. No Brasil, com o crescimento do ano passado, chegamos aos 38 diários por mil habitantes – um quarto dos franceses, um vigésimo dos noruegueses.

É também possível que o Brasil pule a etapa impressa do desenvolvimento das mídias. Metade dos franceses nascidos antes de 1940 lêem jornal regularmente. Dos nascidos entre 1940 e 1960, somente 30% lêem jornal diariamente. E o índice é de apenas 20% para os mais jovens. A convergência digital não eliminou leitores de jornal, mas os deslocou para suportes de difícil comercialização, de escasso controle e de forte competitividade.

A televisão chega a 93% dos domicílios no país. São 95 milhões os brasileiros com telefone celular. São 37 milhões aqueles que têm acesso à internet. Por esses três canais (televisão, celular, internet) devem ocorrer as principais transformações do jornalismo de amanhã. Em 2005, quatro blogs não vinculados aos grupos de mídia já estavam entre os 50 sites de informação com maior volume de acessos nos Estados Unidos. Programas feitos exclusivamente para a internet, de forma artesanal, conquistam nesse espaço audiência semelhante a produtos do mainstream. Os velhos critérios da indústria cultural para dizer aos consumidores de mídia o que é bom e o que é mau ao que parece não nos servem mais, na era da “cauda longa” e da personalização de massa.

Na verdade, ninguém sabe como será o jornalismo do futuro. E isso é muito bom. Encontrar a linguagem desse novo jornalismo é o grande desafio à nossa frente, para a nossa geração, para a geração profissional dessas meninas. O bom é que, com o incremento na formação dos leitores, por longo tempo haverá demanda por mais qualidade.

Não apenas o incremento na educação, mas outras políticas de promoção da igualdade estão transformando os critérios para julgar a qualidade do jornalismo e da mídia. Em 2002, o Jornal Nacional passou a ter, pela primeira vez em 33 anos, um apresentador negro. Há duas semanas, Heraldo Pereira passou a ser o primeiro comentarista político negro da história da TV Globo, ao ocupar a função que era de Franklin Martins no Jornal da Globo. Não são resultados diretos de políticas de compensação pela histórica exclusão social dessa população desde a escravidão: não há cotas para apresentadores e comentaristas. Mas a mídia é, de algum modo, permeável à mobilidade social, reflete algumas das mudanças que nos cercam.

No jornalismo do futuro, novos critérios de legitimação terão de surgir. É que os medalhões de hoje pensam com a cabeça de ontem: alguns têm saudade de um tempo em que as redações eram formadas por punhados de amadores, ignorantes tanto em relação àquilo sobre o que escreviam quanto em relação aos interesses empresariais ou políticos a que serviam, ingenuamente. Mas a era dos repórteres que se sentiam poderosos porque escreviam para uma multidão igualmente ignorante está prestes a acabar.

Nesta semana mesmo, o professor Eugênio Bucci escreveu: “Um profissional da comunicação precisa estudar para compreender o seu público e ser mais útil a ele. Quem pensa que a prática é o critério da verdade, para lembrar a velha frase feita, está, na sua jornada de trabalho, apenas cumprindo ditames de uma teoria cujo autor desconhece e cujas leis não é capaz de divisar”.

A formação permanente dos jornalistas de agora e de amanhã não surge como imposição das lógicas do trabalho, mas como condição da liberdade. E esse entendimento se cristaliza na escola. Se há um sentido oculto na frase óbvia de que “a realidade profissional é muito diferente daquilo que se discute na universidade” é o de que, hoje, há universidades que se preocupam em propor uma formação transcendente em relação aos horizontes necessariamente limitados da habilitação profissional. Quando recebem o diploma de jornalistas, nossos alunos já entenderam que, mais importante que dominar as técnicas do jornalismo do passado, é preciso ter autonomia para mobilizar suas inteligências e formular as linguagens para os cidadãos que virão.

É isso que desejo para essa turma de formandos, pequena e luminosa como uma estrela, a quem agradeço o convite para estar aqui. Continuem a pensar coisas interessantes, sobre as linguagens da convergência digital, a estética da repetição, a afirmação de estéticas de comportamento ou a força do agendamento na TV – sobre o poder simbólico da mídia e na mídia, num conceito-síntese.

Ou pensem sobre qualquer outra coisa – que o mundo é cheio das surpresas, e, como dizia Riobaldo, “viver é muito perigoso”.


Jornalista, doutor em Sociologia Política e professor de Redação

800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.