O inconcluso “caso Renan Calheiros” é um episódio que encerra um simbolismo ímpar, do ponto de vista das relações da mídia com a sociedade. Falo da chamada “grande imprensa” como espaço público privilegiado para a disputa de idéias e a formação de opinião da cidadania.
Vivemos numa sociedade urbana “centrada na mídia”, daí esse destacado papel de centralidade que os meios de comunicação ocupam na sociabilidade contemporânea. O Prof. Venício de Lima escreve: “A construção do conhecimento público que possibilita a tomada cotidiana de decisões nas diferentes esferas da atividade humana não seria possível sem a mídia”.
Nestes tempos de comunicações globais - e da universalização da internet -, a produção de informações há muito deixou de ser monopólio dos jornalistas e empresas de comunicação. Qualquer cidadão “conectado” pode acessar portais como o “You Tube” e postar um vídeo que será visto por milhões de pessoas. O processo de formação de “opinião”, nestes termos, ficou cada vez mais complexo. O simplismo da explicação do rito “secreto”, no “caso Renan” não resiste a uma rápida pesquisa ao site da Folha de S. Paulo (14/03/2003). Para rememorar: “Depois de um debate polêmico, com discursos de 20 senadores, o plenário do Senado rejeitou ontem proposta de emenda constitucional que propunha o fim das votações secretas no Congresso Nacional. Não foram atingidos os 49 votos necessários à aprovação de emenda constitucional. O resultado foi 34 votos favoráveis e 41 contrários, com três abstenções”. O projeto original era de Tião Viana (PT/AC). O senador Arthur Virgílio (líder do PSDB) fez enfática defesa contra: "O voto secreto é um instrumento que deixa o parlamentar a sós com sua consciência em uma hora que é sublime, em que o voto é livre de quaisquer pressões”. Parlamentares do PSDB, PFL (hoje DEM) e grande parte do PMDB votaram contra. A transparência deveria ser plena e absoluta, em respeito à sociedade, e não ao jogo midiático. A decisão tomada há quatro anos é democraticamente inconteste, ainda que eu não concorde com isso.
Uma análise interessante sobre o assunto foi publicada pelo jornalista Ricardo Noblat. Escreve ele: “Atribui-se ao PT a maior parcela de culpa pela absolvição de Renan. O PT tem 12 senadores. É certo que pouco mais da metade deles votou para livrar a cara de Renan. Mas o PSDB também deu uns votinhos para Renan por debaixo do pano. E José Agripino Maia (RN), líder do DEM, sabe que o partido dele ofereceu no mínimo oito dos seus 17 votos. Razões muito mais fortes pesaram para explicar a absolvição de Renan. Uma delas: o corporativismo do Senado. Outra: as relações sempre amigáveis cultivadas por Renan com seus colegas. Outra ainda: a convicção de que não havia provas suficientes para cassá-lo”.
O “caso Renan” é um escândalo político-midiático com mais de 120 dias de duração. O senador alagoano já fora acusado, julgado e condenado pela grande imprensa. O tribunal midiático, nestes termos, é a ante-sala do fascismo. Ali nenhum cidadão tem direito ao contraditório e à presunção de inocência, um princípio de civilidade universal.
Jornalista e coordenador do curso de jornalismo do Bom Jesus/ Ielusc