“O orientador é uma ponte. Uma ponte que o orientando atravessa, e então a ponte se desfaz”. A frase de Valdete Niehues traduz uma fala de quase todos os orientadores de monografia – tem que haver uma relação de confiança entre aluno e professor. Acontece, entretanto, que após a apresentação de alguns trabalhos começa a argüição, praticamente um bombardeio, no qual os avaliadores destroem aspectos relacionados à estrutura e às limitações no pensamento crítico. O público olha para o pobre com pena e se pergunta: como é que o orientador não viu uma coisa dessas?
Começa então uma discussão infinda: qual é o limite do orientador? Uma resposta comum é de que o trabalho é do aluno, os erros são do autor. O professor Silnei Soares diz que pode acontecer de o professor apontar erros e o orientando ainda assim persistir neles. Contudo, isso não é uma regra, pois para Silnei, às vezes a banca usa critérios muito rigorosos, que nem o orientador espera.
Para Jacques Mick – que orientou seis monografias no último semestre –, a questão deve ser sempre discutida, “pois a possibilidade do orientador inflexionar sobre trabalho é muito grande, até mesmo por uma questão de formação, de experiência etc.”. Ele aponta outro fator que deve ser levado em consideração: “Acontece que como nós acompanhamos todo o processo há uma tendência à valorização, à relativização, porque observamos a evolução do aluno perante um grande desafio”.
A professora Valdete Niehues defende que há excesso de monografias para os professores, e isso acaba fazendo com que eles não percebam erros, pois corrigem cinco ou seis monografias ao mesmo tempo. “Ele acaba orientando muita gente. São cinco ou seis orientandos com pesquisas diferentes. O orientador acaba tendo que se desdobrar”.
Apesar disso, ela pensa que o problema verdadeiro não é só esse. “A dificuldade não está na orientação, está no decorrer da faculdade. A monografia é resultado de um curso bem feito. Se você leu e escreveu bastante durante toda a faculdade, a monografia sai com leveza”.
A professora Fernanda Guimarães Cruz, contratada este ano pelo Ielusc, é novata no ramo das orientações. Ela trabalha com os alunos remanescentes da grade antiga que precisam se formar este ano, “ou terão que fazer mais quinze disciplinas da atual grade”. Fernanda faz coro à fala de Silnei: “O orientador pode apontar erros e os alunos insistirem neles”. Entretanto, considera que há erros que também não são percebidos. “O professor está junto com o aluno no projeto, e algumas análises requerem um distanciamento. Não que os erros sejam imperceptíveis, mas quem está de fora, na banca, por exemplo, consegue vê-los melhor”, conclui.
Há ainda um terceiro elemento que Fernanda faz questão de frisar: “O processo de pesquisa é um processo de escolhas”. Ela ressalta que é função do professor ajudar os alunos para que essas escolhas não sejam aleatórias. “Para tudo há que ter um porquê. As escolhas devem de ser justificadas”.
Além de participar de um grupo de pesquisas científicas (Processocom), a jovem professora se baseia no seu aprendizado para orientar os remanescentes. Ela conta que a maioria desses alunos não tem projeto nenhum e o tempo para concluir o trabalho é menor do que o destinado aos alunos da grade atual. E isso altera o processo de orientação. “Se eu indicava 50 leituras, para esses alunos eu tenho que cortar algumas”, afirma.
A linha (que limita o orientador) é tão tênue que em algumas discussões chega-se a cogitar a co-autoria. Mas isso é rechaçado pela grande maioria dos professores. Silnei acha que “alguns professores não conseguem dividir as coisas”. Mesmo porque é algo muito subjetivo, segundo Sílvio Melatti, que é contrário à interferência, mas concorda que se deve fazer apontamentos e sugestões. “Desde que isso não interfira no texto final ou no resultado”.
As disciplinas de monografia
“Teoria e técnica de pesquisa para a produção de monografia de conclusão de curso e suas aplicações na área da comunicação” é o que diz a ementa de monografia I. Ou seja, é a disciplina na qual o aluno do 7° período deve aprender as regras da pesquisa científica. O trabalho final é um anteprojeto, em que já se decidiu com quais autores se vai dialogar, quais as leituras necessárias, qual é o problema em questão e qual o objetivo do trabalho de conclusão de curso. Para monografia II resta o contato com o orientador, a escrita do trabalho, as correções, as discussões sobre o problema e sobre como abordá-lo, além de, obviamente, a pesquisa propriamente dita. Parece simples mas não é. Um ano é destinado à preparação, construção e conclusão desse processo e ainda assim a principal reclamação é o pouco tempo para se fazer um trabalho tão denso como uma monografia deve ser.
Jacques Mick aconselha que o aluno procure seu orientador já na disciplina de monografia I: “O trabalho é uma escolha e discute-se um tema a partir de um ponto de vista. No entanto, alguns orientadores pensam de forma que se contrapõe à proposta”. Esse é um dos motivo pelo qual há muitas trocas de orientador e de projeto.
Leonel Camasão, do 8º período, acatou a recomendação de Jacques: convidou o próprio para orientá-lo quando fazia monografia I. Ele conta que já tinha a idéia do trabalho muito antes de começar a disciplina. E para Camasão, a utilidade de monografia I é justamente “mutilar (no sentido de podar os excessos) todo o universo de idéias que está à mão do estudante”.
Para Camasão a troca de informações é muito importante, pois ao mesmo tempo em que o orientando leva novas informações e questionamentos, a mão do orientador é quem indica as leituras e propõe novas questões. “Cheguei para o Jacques e disse: ‘Eu tenho o autor com o qual eu quero dialogar, mas não tenho com o que contrapô-lo’. Aí ele sugeriu os autores do Iluminismo e eu vou dialogar com Voltaire, um dos pais dessa corrente de pensamento e que publicou o livro 'Conselhos ao jornalista'. Tem tudo a ver”.
Segundo Valdete, é nessa transição das disciplinas 1 e 2 que há um problema. “Geralmente a maior parte dos alunos, quando chega no orientador, chega sem leitura, às vezes sem o objeto, às vezes sem o problema. Ele fez o anteprojeto para cumprir a disciplina”, aponta. Dessa forma o orientador acumula funções: “Ele indica as leituras, acaba indo na prateleira e escolhendo os livros, algumas vezes o aluno não sabe nem ir à prateleira buscar as leituras. Entende-se que ele chegou no oitavo período e já deveria saber disso, mas como ele não teve uma base de pesquisa durante a faculdade, chega com esse problema no oitavo período”.
Sendo assim, acumula-se trabalho e tudo fica para ser feito no último mês antes da defesa. Valdete pensa que o modelo das federais é o ideal. “Nas federais os professores têm linha de pesquisa. O orientador só orienta na linha de pesquisa dele. Os alunos vão buscar as leituras. Esses orientandos acabam buscando material que vai fomentar a linha de pesquisa daquele orientador”.
Apesar disso, Valdete não aponta uma única falha. “Eu não conheço o processo, não posso falar que o problema é ali [monografia 1]. Aqui é uma instituição de ensino e nós devemos ensinar do lugar onde o aluno está. Nós temos que fazer aquilo que chega até nós”. Então qual é o problema? “É papel da educação descobrir onde há o problema. Esse assunto é pedagógico”, responde.
O orientador na avaliação
A defesa e a argüição são momentos nos quais o orientador deve ficar calado, salvo, claro, na hora de apresentação da banca e informes ao público. De forma alguma o orientador deveria opinar sobre o trabalho, tentar explicar ou responder as perguntas feitas ao autor.
No entanto, há exceções à regra: “É legítimo”, afirma Jacques Mick, “que haja interferência se os argüidores questionarem o ponto de vista do trabalho. Por exemplo, num trabalho no qual se trabalhou a teoria de Nilson Lage, a banca não pode discutir sob o ponto de vista de Traquina”. Valdete discorda: “Se o aluno não fala é incapacidade dele”.
Outra maneira em que se pode pedir a palavra (na verdade é o orientador quem cede a palavra), é para acrescentar alguma coisa à discussão que lhe ocorreu naquele instante ou depois da obra ter sido entregue à banca. “O trabalho do orientador termina um mês antes, quando a monografia é entregue, mas nesse tempo o cérebro ainda fica trabalhando”, brinca Jacques.
Na hora em que a banca se retira para se decidir a nota, avaliadores e orientador tentam chegar a um consenso. Segundo a historiadora, “na hora da decisão da nota, o papel do orientador é o silêncio”. O orientador pergunta aos professores sobre a nota do trabalho e ao orientador cabe dar a nota pelo desempenho do aluno durante o processo. No entanto, Silnei frisa: “É importante que os professores saibam que o que está sendo avaliado é o trabalho”. Para Valdete, as monografias que vão à banca já devem estar no mínimo aprovadas com sete.
Ela diz que o orientador já imagina a nota do trabalho: “Essa monografia vale sete, essa vale oito, ou nove. Pois o orientador está familiarizado com o trabalho e tem condições de saber”. Ela acha que não se pode tentar aumentar a nota do aluno: “Pelo contrário. Às vezes eu peço para abaixar a nota, pois a banca quer dar uma nota maior do que a que vale”.