Ele pode ser visto de longe por quem entra na biblioteca Castro Alves. Ocupando temporariamente uma posição na estante de novas aquisições, o livro Pobre nação: as guerras do Líbano no século XX (ou Pity the nation: Lebanon at war), do jornalista britânico Robert Fisk, traduz as impressões de um repórter que assistiu, ao longo de 26 anos, os sucessivos períodos violentos enfrentados por Beirute, a capital libanesa. A narrativa se concentra, principalmente, na invasão da cidade por guerrilheiros israelenses em meados da década de 80.
Fisk (foto abaixo) é correspondente do jornal britânico The Independent e especializado em coberturas no Oriente Médio. “Este não é um livro acadêmico. Tampouco é, em nenhum sentido formal, uma história da guerra no Líbano”, discorre o jornalista em meio às 962 páginas que, juntas, compõem um bloco de cinco centímetros e meio de altura. O trabalho de pesquisa para a composição do livro, segundo o próprio autor, se aproxima muito mais de uma apuração jornalística, já que foi baseado em todo o material que havia acumulado até então. Até estilhaços de bombas disparadas pelos israelenses e sírios serviram de inspiração ao repórter.
Após uma longa lista de agradecimentos, o que inclui um dos melhores amigos de Fisk, Terry Andersen — chefe do escritório da Associated Press em Beirute, que foi raptado e mantido em cativeiro por mais de quatro anos —, são listados, sob o título de "Cronologia de eventos", fatos de 1860 a 2001 que têm relevância para o conjunto de reportagens, o que inclui a criação do Estado de Israel, em 1948; a fundação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em 1964; e a nomeação de Ariel Sharon para primeiro-ministro de Israel, em 2001, ano no qual Fisk encerrou a garimpagem de informações. Além disso, são apresentados ao leitor 25 “personagens”, influentes não apenas na “história” como também no contexto real, e 26 jornalistas que, de alguma maneira, estavam envolvidos na cobertura dos conflitos. Para completar a inserção do leitor, as três páginas seguintes são dedicadas aos mapas da cidade de Beirute, que mostram, entre outras coisas, divisões, linhas de front e áreas ocupadas por israelenses, mais especificamente o Sul do Líbano.
Após a introdução, que não poderia ser mais detalhada, o loitor depara-se com o primeiro capítulo da série de dezoito: “Imagens em sépia numa parede”. O título é curioso, assim como a maioria dos outros, que são construídos com elementos que aguçam a curiosidade e sugerem até um teor literário, a exemplo de “O flautista camuflado de Damasco” e “Alvorecer à meia-noite”. Ao longo de cada capítulo, Fisk conta a experiência de ter sido, ao mesmo tempo, testemunha e “terrorista” (já que, de acordo com seus relatos, a revolução islâmica dissipou terror tamanho que nenhum ocidental podia continuar vivendo no país sem medo de ser assassinado ou capturado). Lendo o livro, é inevitável não se deparar com questionamentos políticos por parte do autor, os quais o próprio classifica como “uma busca pessoal pelas raízes da violência testemunhada”. Não há nenhuma imagem estampada nas páginas cor sépia, talvez para não interromper o fluxo da leitura.
As reportagens escritas por Fisk nos 26 anos preenchem, das 962 páginas, 919 delas. As restantes foram destinadas à bibliografia — a lista de 50 obras que o jornalista julga como “um guia para leitores” — e ao índice remissivo (as figuras mais citadas são Yassir Arafat, Ariel Sharon e Ronald Reagan). O livro-reportagem, segundo o autor, não sugere qualquer solução para os conflitos apresentados, já que acontecimentos e personagens “falam por si mesmos”. Acerca da experiência de reportar a invasão israelense, Fisk comparou jornalistas a vulcanologistas, pois “instalam-se à margem da história da mesma forma que vulcanologistas escalam uma cratera fumegante, esticando o pescoço sobre a beirada que ameaça cair”. Vinda de um repórter de guerra, tal comparação se basta.