Parecia um menino quando vai ao parque de diversões pela primeira vez. Andava de lá para cá, as mãos giravam tensas segurando um pedaço de papel. Aos poucos a sala meio iluminada era ocupada pela família e pelos amigos, que se instalavam nas cadeiras do lado esquerdo. Rodrigo Miranda Barbosa recepcionou todos com abraços. O projetor, sobre a mesinha de madeira, refletia no branco quadro o desenho de um pirata.
Os colegas da publicidade começaram a preencher os lugares ainda vagos. Às 21h04 o orientador, Silnei Soares, entrou portando um sorriso de confiança. A banca de avaliação estava incompleta - somente Maria Elisa Máximo havia se instalado; Juciano Lacerda chegou minutos depois. Às 21h08 Rodrigo agradeceu a presença dos amigos que segundo ele estavam ali “em massa” e deu início à apresentação. A porta foi fechada e as 33 pessoas dispostas a desvendar a “Pirataria on-line: sistemas emergentes, jogo e dádiva”, através de Rodrigo, ficaram atentas.
O nervosismo do acadêmico era visível. Preocupado em esclarecer para o público o que significava cada um daqueles termos técnicos criados pelas novas tecnologias, Rodrigo foi detalhista. Explicou minuciosamente a escala hierárquica da cultura da internet: tecnoelites, hackers, comunidades virtuais e empresários. Fez uma pausa antes de seguir adiante, virou-se para o público e disse: “Caso vocês não entendam alguma coisa, é só perguntar”. Não houve perguntas neste momento e, pouco depois, o público já estava familiarizado com cada expressão.
Apaixonado pela pesquisa, Rodrigo “fez um acordo” com o sociólogo espanhol Manuel Castells e com o filósofo finlandês Pekka Himanen e discursou durante exatos 50 minutos. Ele explicou o que chama de Scene ou cena, em português, que se trata do quadro da pirataria, os grupos, líderes, distribuidores e redes. O público pôde conhecer através dos olhos deslumbrados de Rodrigo um mundo novo, muito mais próximo dos que acessam a web do que se pensava.
A pirataria ― sistema emergente ― é o moderno crime organizado. Os que estão dentro dela transformam-na numa seita com direito a linguagem própria. Segundo Rodrigo, “jogam não para ganhar dinheiro, mas para ganhar prestígio e para alcançar a dádiva”. Criaram a ética hacker, o juramento e um exercício proibido. O acadêmico concluiu a apresentação mostrando a frase de um grupo de hackeres após serem pegos pela polícia: “Nós atacamos, adaptamos, improvisamos e sobrevivemos!”.
Após a fala do acadêmico, cinco pessoas se retiraram, mas 28 permaneceram ansiosas. Maria Elisa foi a primeira a argüir. Elogiou Rodrigo e disse: “O seu trabalho é algo maior que um TCC”, além de classificá-lo como um ensaio bem sucedido, um trabalho denso que pecou pelo excesso. Ela considerou as 127 páginas iniciais da monografia – ao todo 199 páginas, sendo 170 delas dedicadas aos textos – como o conjunto do fichamento. “Você ficou muito preso ao jargão técnico”, comentou a avaliadora. Sorrindo, Maria Elisa sugeriu uma importante alteração: um glossário para orientar os leigos.
Juciano Lacerda começou brincando: “Quando peguei teu trabalho para ler me deu vontade de jogar na tua cabeça”. Disse também que se não fosse convidado para a banca, ficaria chateado, já que conheceu a idéia de Rodrigo desde o esboço. Embora concordasse com a colega Maria Elisa quanto aos excessos cometidos, Juciano não pôde negar que o acadêmico fez um ótimo trabalho.
Acompanhados pelo orientador os componentes da banca deixaram o espaço. A ansiedade permeou o ambiente durante o tempo em que estiveram fora. Quando voltaram, Silnei pôs-se à frente, explicou as alterações que deveriam ser feitas e anunciou, dirigindo-se à Rodrigo: “Embora você tenha pecado por excesso, nós achamos que é melhor pecar pelo excesso do que pela falta”. Ele recebeu nota 10 pelo trabalho. A primeira nota 10 desta semana de monografias. Rodrigo roubou a cena.
O acadêmico não esperava tirar 10, justamente por ter consciência dos excessos que havia cometido. “É sempre bom o reconhecimento de um trabalho”, comentou. Ele considera as argüições como a parte mais importante do trabalho. Segundo ele, a defesa não serve para receber elogios. “Os avaliadores têm o papel de apontar outros caminhos”. Rodrigo conversará com seu orientador sobre as alterações que farão na monografia. Ele teve a idéia de trabalhar com o tema pirataria quando estava no 2º ano da faculdade, porém os últimos seis meses foram de trabalho incessante. O acadêmico trabalhou todos os capítulos ao mesmo tempo. “O trabalho começou a tomar forma nos últimos dois meses”, completou.
Silnei Soares mostrou-se orgulhoso. A monografia teria 30 páginas a mais se o orientador não as tivesse “cortado”. Segundo Silnei, a paixão do acadêmico pelo tema não atrapalhou na hora de produzir o trabalho. “O dez foi merecido e não gratuito”, disse Silnei.