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Matéria 4686, publicada em 15/08/2007.


Quem: Joel Silveira. O quê: morreu.

Sílvio Melatti

Morreu Joel Silveira.

Sim, esse é o lead. Porque se trata dele, a frase é plena, e se basta. A notícia está completa. São três palavras que, porque se trata dele, respondem virtualmente às seis perguntas do lead. Objetividade numa hora dessas? Joel Silveira morreu. Quem, o quê, ponto final. O resto é silêncio, diria Hamlet.

Um sujeito precisa de uma obra apenas para entrar no reino dos céus. Depois de ter escrito “Grã-finos em São Paulo”, Joel Silveira poderia morrer — teria lugar garantido no panteão dos maiores narradores do nosso tempo. Mas depois desta, e por causa desta, ele foi escalado para cobrir... um casamento. Então escreveu “A milésima segunda noite na avenida Paulista”. Amém. Quem o leu na época deve ter pensado: “Agora morra, Joel Silveira. Você atingiu os píncaros da glória e não é possível ir além disso. Daqui para frente é só decadência”.

A essa altura, Joel já era conhecido como “a víbora”, e sobreviveu não só ao vaticínio dos amantes do jornalismo literário, mas a uma guerra mundial. Porém, nem os textos do correspondente de guerra nem os posteriores, que lhe renderam cinco prêmios nacionais, carregam o brilho daquelas duas obras-primas que motivaram Manuel Bandeira a escrever: “O texto do Joel é maciamente perfurante, como uma punhalada que só dói quando esfria.”

Morte, punhais, perfuração, dor, frio não são palavras adequadas para algo que se pretenda homenagem, dir-se-á. Depende, eu digo. Quando o homenageado é Joel Silveira, sergipano meio bronco, desbocado, avesso a salamaleques, pequenas subversões soam melhor do que pompa e circunstância. Aliás, falar em pompa e circunstância depois de “Grã-finos” e “Milésima segunda noite” é ser, no mínimo, retrógrado, para não dizer outra coisa — que Joel não deixaria de dizer.

Muito se escreveu e muito ainda será escrito sobre Joel (aqui mesmo, talvez). Para além dos dados biográficos, disponíveis em qualquer lugar, o que vale a pena notar nele é algo que já não é possível hoje, salvo exceções que ainda nem se firmaram em minha memória: estilo. Ele, sobretudo nos textos citados, atingiu a síntese proposta por Antônio Vieira: escrever alto e claro como as estrelas.

Estrela é uma boa palavra para algo se pretenda homenagem, dir-se-á. Joel poderia retrucar: “Soa um tanto piegas, meu caro”. Paciência. A víbora é insaciável. Insisto e concluo com a formulação de Vieira: “O estilo pode ser muito claro e muito alto; tão claro que o entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender os que sabem.”

800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.