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Matéria 4671, publicada em 14/08/2007.


:Eva Croll

Sala D-4 lotada durante apresentação de Ana Lúcia

Qual é o Brasil que as Havaianas mostram?

Melanie Peter


São 19h13, a sala D4 está lotada e continua chegando gente. Uns param na porta, dão uma rápida olhadela e vão embora. Parece que não cabe mais ninguém ali dentro. Os mais insistentes buscam cadeiras na sala ao lado e se espremem entre os poucos espaços vazios.

Os professores da banca, Álvaro Dias e Silnei Soares, estão sentados e prontos para ouvir. O orientador, Gleber Pieniz, pede silêncio, agradece a presença de todos e passa a palavra para Ana Lúcia Cipriano. Na parede brilha o primeiro slide da apresentação de Power Point. O título da monografia é "O Brasil segundo as Havaianas".

A idéia do tema surgiu durante um trabalho de metodologia do consumidor. A pesquisa feita foi do tipo exploratória e qualitativa. Entre os teóricos utilizados, transitam Darcy Ribeiro, Maia Mendonça e Lúcia Santaella. O principal enfoque dado para a pesquisa se baseia na análise dos aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos de cinco comercias de TV.

Mulheres ou homens belos, praia, descontração, testemunho de gente famosa, glamour e diversão eram alguns dos elementos sempre presentes. Segundo Ana, depois do chamado "reposicionamento" - conjunto de ações utilizadas para mudar a percepção do público-alvo em relação à marca -, as sandálias havaianas deixaram de ser apenas objetos utilitários e passaram agregar outros valores, entre eles a auto-realização, o afeto e o status. Como brasileiros de diferentes classes sociais consomem esse tipo de produto, ela considerou uma espécie de “trapaça” que nos comercias somente as celebridades ganhassem destaque. Sua principal indagação era: se todo mundo usa, onde estão o pedreiro e a baiana?

A argüição começou com Silnei. Primeiro ele sugeriu que Ana lesse os livros de Peirce ao invés de estudar as idéias do autor através dos livros de Santaella. Em seguida, criticou a utilização descontextualizada do conceito de kitsch, apontando um “desencontro dos autores” e um problema de “desencaixe teórico”.

O professor também leu alguns trechos da monografia e os usou para exemplificar o “problema no olhar” sobre a publicidade. Ele aconselhou Ana a deixar de lado o “ranço moralista”, já que a publicidade não está aí para mostrar o Brasil real, não é arte nem ferramental teórico e nunca teve a função de elevar o nível cultural da sociedade. “A publicidade está aí para manter o status quo e não para modificá-lo”, disse Silnei.

Um pouco antes de encerrar seus comentários, Silnei voltou à pergunta deixada por Ana. “A baiana e o pedreiro não aparecem porque não é esse o público que eles querem atingir”. Respondida a questão, lançou um novo desfio. “Mas afinal, qual é o Brasil que as Havaianas mostram?".

Os apontamentos de Álvaro Dias começaram em tom bem humorado: “Quando a Havaianas lançou as primeiras sandálias eu comprei um par, ou seja, eu tenho idade para conhecer toda o histórico dessa marca”. A brincadeira inicial continuou mais ou menos assim: “E eu não concordo com o trabalho”.

Para justificar seu posicionamento, Álvaro explicou que no início a Havaianas não tinha concorrentes e, como o preço era acessível, seus produtos acabaram se concentrando nas camadas mais baixas. Tudo mudou com a chegada da Grendene, que promoveu a junção do plástico com a moda forçando a marca a buscar um reposicionamento no mercado.

O professor ainda questionava a ausência da análise deste ponto de virada na monografia quando o celular de Ana começou a tocar. Enquanto desligava o aparelho, ela lançava um sorriso tímido para a banca.

Por que o Brasil retratado é idealizado? Por que não tem pobre nos comercias das Havaianas? Para Álvaro a resposta é fácil: “Simplesmente porque não precisa. O público que eles buscam atingir com o reposicionamento é a classe média, a classe alta, as celebridades, justamente quem aparece nos comerciais”. Ele também termina suas críticas com uma pergunta: “Por que o Brasil tem vergonha do Brasil?”.

Quando a banca saiu da sala era possível ouvir grupinhos murmurando comentários sobre tema, nota e argumentação. “Ela esqueceu de um dos princípios mais importantes da publicidade, que é vender o que não existe”, falava Evandro Rosa, aluno do 6º período de publicidade. Não muito longe dele, a caloura Priscila Daiani Leite comentava com a amiga Samira que estava espantada com a segurança de Ana durante a apresentação, mas não tinha entendido muito bem as críticas da banca.

Quando a impaciência era quase geral, Gleber entrou e disse: “A banca avaliou que aqui há um trabalho sólido, mas um trabalho sólido que precisava ser revisto.”

Ana Lúcia Cipriano foi aprovada com nota sete.

800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.