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Matéria 4409, publicada em 30/05/2007.


Televisão ou partido político?

Samuel P. Lima*

A decisão do governo Hugo Chávez de não renovar a licença da Rádio Caracas Televisão (RCTV) vem suscitando manifestações pró e contra, na Venezuela e América Latina, com repercussão em vários países. O fato é paradigmático na história das relações entre a mídia, o campo da política e a sociedade.

Em 11 de abril de 2002, a oposição protagonizou um golpe de estado contra o presidente Chávez. À frente, o empresário Pedro Carmona, o líder sindical Carlos Ortega, setores do alto comando das forças armadas e duas emissoras de televisão privada que operavam no País: RCTV e a Venevisión, do magnata Gustavo Cisneiros.

O plano do golpe era perfeito, exceto por um "detalhe": os golpistas houveram esquecido de combinar com a população. Em menos de 48 horas, o presidente, que já estava preso, voltaria ao poder nos braços de mais de 2 milhões de pessoas, mobilizadas por uma notícia divulgada pela CNN (em espanhol): Chávez não havia renunciado.

Uma emissora de televisão resulta de concessão pública. Cabe indagar: é papel de uma empresa de comunicação ser de "oposição" ou de "situação"? O jornal "O Estado de S. Paulo" respondeu a questão com a maior naturalidade (edição 27/05/2007) e chamou a RCTV de "TV opositora". Ora, como concessão pública, espera-se que uma emissora de TV cumpra seu papel balizado por dois princípios maiores: prestar serviços à sociedade e tratar a informação como bem público.

As emissoras de TV comerciais da Venezuela tiveram participação direta na tentativa de golpe e agiram à margem da lei. O próprio "Estadão" registra que o "protagonismo" do diretor da RCTV, Marcel Granier, no golpe de 2002, "a bem da verdade é admitido até por setores da oposição". Não cabe a uma emissora de TV ser de "situação" ou de "oposição". Para cumprir esses papéis, a sociedade elege líderes políticos para ocupar governos e parlamentos.

No último sábado, um grupo de 24 personalidades inglesas, lideradas pelo escritor Harold Pinter (prêmio Nobel de Literatura) e pelo cineasta John Pilger, divulgou no jornal "The Guardian" manifesto apoiando a decisão do governo venezuelano. Junto-me a eles, compreendendo o alcance histórico de tal decisão. Diz o texto: "A decisão é legítima uma vez que a emissora repetidamente fomentou a derrubada do governo democraticamente eleito do presidente Hugo Chávez". E indaga, em outro trecho: "Imaginem as conseqüências se se descobrisse que a BBC ou o ITV fizeram parte de um golpe contra o governo britânico". Pergunto ainda: por quanto tempo a CNN e a Fox News ficariam no ar, nos Estados Unidos, se o governo Bush descobrisse que estivessem tramando um golpe de estado?

Como escreve o jornalista Luiz Carlos Azenha (TV Globo): "É interessante que nunca tenha ocorrido aos donos da RCTV que deturpar informações, omitir, mentir e violar as leis pudesse ter alguma conseqüência". Pela primeira vez, na história latino-americana recente, um governo popular enfrenta o poder antidemocrático da mídia, de frente e dentro do Estado de Direito.


*Samuel P. Lima é jornalista, doutor em Mídia e Conhecimento e coordenador do curso de jornalismo do Bom Jesus/ Ielusc

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