Ao nascer todos deveriam ganhar um telescópio. Abrir os olhos e ver logo. Ver longe. Ver de perto estrelas, astros, constelações, infinitos. Aos que vivem ao rés do chão, na atitude anfíbia de rastejar e respirar, respirar e rastejar toda a vida, não dá para imaginar que isso seja dignidade, seja natural. Ao nascer, todos olham para o teto, para o alto, mesmo ainda com os olhos fechados. Desde cedo, o primeiro desejo é voar, estar nas alturas, ver o céu, estar lá. A alma, antes do corpo, já busca andorinhas, solta pipas, viaja num aeroplano, faz guerra em naves espaciais. Mas os olhos abrem e esbarram no concreto. Rebatem no chão, no piso e acostumam-se a isso, por comodidade. Olham para baixo, cabisbaixo, perto, restrito, mínimo, desalmado. O peso da vida lhes chega cedo, um fardo invisível posto sobre os ombros de todos.
Talvez uma lupa, um binóculo, uma luneta. O ideal é o telescópio. Ver através da distância o longe. Marte, Júpiter, Plutão (o ex-planeta), outros sóis, andrômedas, luares de outras luas, olhos siderais. Tudo muito além do véu azul dessa Terra. Perto das retinas telescópicas. Ninguém mais quer saber de ver assim, observar o Universo em seus movimentos não-televisivos. Os meninos não empinam mais suas pandorgas, as meninas não namoram mais ao luar, o homem, depois da turbina, desistiu de ser pássaro, e a mulher, depois do tear, deixou de ser Vênus. As pessoas têm medo de avião. Aviões caem.
Esqueça televisão, rádio, internet, telefone, celular e outras maquinarias modernas. Elas passarão. O telescópio não há de passar. Ele está além do céu, da terra e da gravidade. Olhar pelo telescópio é viajar numa nave, navegar num espaço atemporal, sentir o Firmamento encostar na retina, sentir o silêncio repousar na alma, perceber Deus movendo os astros com suas mãos, num arranjo perfeito, harmônico, quase invisível. É se sentir parte da memória do Tempo e do Universo, dominando, por um instante, por um olhar, os sincronismos celestes: cúmplice da engenharia divina. É se sentir separado do chão, num flutuar cósmico: galáctico. Sentir-se cometa. Talvez meteoro, talvez satélite, talvez sol. O próprio Deus?
O telescópio torna o homem tão infinito, tão misterioso quanto o que observa. Imortal? Quem sabe? Mas ele perdeu o caminho, a visão, o olhar máximo. Se conformou em somente saber em que solo está pisando, desviar de poças, precipícios, manter-se em pé. Enquanto as nuvens passam lá em cima, cheias de azul e de segredos (belezas do sem-fim), os míopes, aqui, cavam buracos no chão.
*João Batista é estudante de jornalismo do Ielusc e integrante do grupo de poetas Zaragata