O maior jornal diário do País marcou mais um gol contra a credibilidade do
jornalismo. A manchete da "Folha de S. Paulo" (edição de 8/04/2007) fez uma
denúncia bombástica: "Entidade alertou Lula de falhas no controle aéreo". No
caderno interno "Cotidiano", o título principal complementava: "Relatório já
apontava controle aéreo inseguro" – e na linha de apoio afirmava
que o documento da Federação Internacional de Controladores (Ifatca), feito após
o acidente com o Boeing da Gol, foi enviado a Lula". A informação, caso fosse
verdadeira, era de uma gravidade ímpar.
No dia seguinte, o jornalista Mário Magalhães (ombudsman) informou que o rela
tório não fora enviado ao presidente Lula, mas tão-somente uma carta "para
oferecer consultoria". O trecho da carta publicado "não fala do conteúdo do
relatório". Ou seja: Lula não teria sido "alertado", como dissera a "Folha".
A "denúncia" rendeu uma reportagem com mais de 10 mil caracteres, contra uma
nota na seção "erramos" de 414 letrinhas e mais uma materinha no "Cotidiano" (p.
A5) com cerca de 2 mil caracteres. Os pesos e medidas são fortemente desiguais.
Ademais, a acusação foi chamada de capa da edição 8 de abril. Ou seja, para quem
só leu aquela matéria o governo adicionou mais um rótulo nessa questão do
controle aéreo, injustamente: o da omissão criminosa.
Essa é uma franja da "verdade" midiática, produzida pela "Folha", que ficou
nos corações e mentes de dezenas de milhares de leitores (no domingo, a tiragem
é superior a 394 mil exemplares). O texto do "erramos" circulou seis dias
depois, na edição de sábado (14/4), de menor tiragem. Entre o fato (uma carta
oferecendo consultoria) e o factóide (relatório foi enviado a Lula) existe uma
distância amazônica. É nesses jogos de bastidores que a mídia vende suas
"verdades" contra a cidadania.
Recentemente, ao divulgar as pesquisas da CNT/Sensus e Ibope, que mensuraram
os índices de popularidade do governo federal, entre outros itens de suma
importância, a mídia priorizou o destaque para os aspectos negativos do governo
Lula, forçando ao limite as interpretações. O jornalista Luiz Carlos Azenha (TV
Globo) fez sua escolha de manchete: "88,8% dos brasileiros não confiam na
mídia". No item sobre as instituições que mais confiam, só 11,2% dos
entrevistados disseram confiar na mídia.
Na era da comunicação global, edição é a sofisticada arte de selecionar
informações, textuais e imagéticas, para oferecer à sociedade um mínimo de
compreensão sobre os acontecimentos. Neste sentido, o jornalismo é cada vez mais
uma combinação refinada de percepção, representação e interpretação daquilo que
entendemos como "real", numa prática orientada pela busca da melhor versão da
"verdade".
É do prof. Venício Lima (NEMP/UnB) a pertinente observação: " Que os
principais jornais do país decidam ser editorialmente de oposição política a
esse governo – ou a qualquer outro – é normal e
democrático. Que essa opção chegue a contaminar a cobertura jornalística da
política, não é normal nem é democrático".
* Jornalista, doutor em mídia e teoria do conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do curso de jornalismo do Bom Jesus/Ielusc. E-mail: samuca@ielusc.br