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Matéria 4188, publicada em 20/04/2007.


Flagrante de manipulação

Samuel Lima *

O maior jornal diário do País marcou mais um gol contra a credibilidade do jornalismo. A manchete da "Folha de S. Paulo" (edição de 8/04/2007) fez uma denúncia bombástica: "Entidade alertou Lula de falhas no controle aéreo". No caderno interno "Cotidiano", o título principal complementava: "Relatório já apontava controle aéreo inseguro" – e na linha de apoio afirmava que o documento da Federação Internacional de Controladores (Ifatca), feito após o acidente com o Boeing da Gol, foi enviado a Lula". A informação, caso fosse verdadeira, era de uma gravidade ímpar.

No dia seguinte, o jornalista Mário Magalhães (ombudsman) informou que o rela tório não fora enviado ao presidente Lula, mas tão-somente uma carta "para oferecer consultoria". O trecho da carta publicado "não fala do conteúdo do relatório". Ou seja: Lula não teria sido "alertado", como dissera a "Folha".

A "denúncia" rendeu uma reportagem com mais de 10 mil caracteres, contra uma nota na seção "erramos" de 414 letrinhas e mais uma materinha no "Cotidiano" (p. A5) com cerca de 2 mil caracteres. Os pesos e medidas são fortemente desiguais. Ademais, a acusação foi chamada de capa da edição 8 de abril. Ou seja, para quem só leu aquela matéria o governo adicionou mais um rótulo nessa questão do controle aéreo, injustamente: o da omissão criminosa.

Essa é uma franja da "verdade" midiática, produzida pela "Folha", que ficou nos corações e mentes de dezenas de milhares de leitores (no domingo, a tiragem é superior a 394 mil exemplares). O texto do "erramos" circulou seis dias depois, na edição de sábado (14/4), de menor tiragem. Entre o fato (uma carta oferecendo consultoria) e o factóide (relatório foi enviado a Lula) existe uma distância amazônica. É nesses jogos de bastidores que a mídia vende suas "verdades" contra a cidadania.

Recentemente, ao divulgar as pesquisas da CNT/Sensus e Ibope, que mensuraram os índices de popularidade do governo federal, entre outros itens de suma importância, a mídia priorizou o destaque para os aspectos negativos do governo Lula, forçando ao limite as interpretações. O jornalista Luiz Carlos Azenha (TV Globo) fez sua escolha de manchete: "88,8% dos brasileiros não confiam na mídia". No item sobre as instituições que mais confiam, só 11,2% dos entrevistados disseram confiar na mídia.

Na era da comunicação global, edição é a sofisticada arte de selecionar informações, textuais e imagéticas, para oferecer à sociedade um mínimo de compreensão sobre os acontecimentos. Neste sentido, o jornalismo é cada vez mais uma combinação refinada de percepção, representação e interpretação daquilo que entendemos como "real", numa prática orientada pela busca da melhor versão da "verdade".

É do prof. Venício Lima (NEMP/UnB) a pertinente observação: " Que os principais jornais do país decidam ser editorialmente de oposição política a esse governo – ou a qualquer outro – é normal e democrático. Que essa opção chegue a contaminar a cobertura jornalística da política, não é normal nem é democrático".


* Jornalista, doutor em mídia e teoria do conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do curso de jornalismo do Bom Jesus/Ielusc. E-mail: samuca@ielusc.br

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