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Matéria 4102, publicada em 12/04/2007.


Mídia e aquecimento global

Samuel P. Lima*

Segurem-se na poltrona, caros leitores. Os novos Nostradamus estão "no ar", profetizando o fim das eras para daqui, no máximo, 50 anos... É o show midiático do aquecimento global, espetáculo feito à base de especulação, alarmismos e outros "ismos".

No campo científico há diferentes visões sobre o assunto, raramente presentes na mídia. Em momentos distintos, na cobertura recente, é possível observar tons e enquadramentos diferentes. Subsiste uma pergunta sem resposta: qual o impacto do modelo de desenvolvimento industrial, parametrizado pelos Estados Unidos, sobre a mudança do clima mundial?

Há dois anos, a revista "Época" (14/02/2005) publicou esclarecedora matéria sobre o Protocolo de Kyoto. Resultado da 3ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que reuniu no Japão representantes de 166 países, em 1997, o Protocolo estabelece a redução das emissões de gás carbônico (CO2) nos países industrializados em 5,2% em relação aos níveis de 1990. "Época" divulgou o "ranking" dos maiores poluidores do planeta. Os países mais ricos que formam o G7 (ou G8 se incluída a Rússia) respondem por 82,8% da poluição. Os EUA, que sozinhos respondem por mais de 36% da poluição mundial, não acatam o Protocolo.

Uma reportagem de Sônia Bridi (Jornal Nacional, 5/4/2007) caminha na direção oposta. Repercutindo um relatório de "olhar único" do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), resulta num texto impreciso, entre o piegas e o alarmismo chinfrim: " O que será das tartarugas marinhas quando as praias onde elas desovam ficarem cobertas pela água? Espécies e ecossistemas inteiros ameaçados pelo aquecimento do planeta. Árvores milenares do Chile, o panda, o tigre de bengala, as geleiras do Himalaia e a Floresta Amazônica. (...) Doenças, faltas de água e de comida devem afetar bilhões de pessoas". Por que confiar cegamente em previsões para daqui a 30 ou 50 anos? Questão de fé? Daí já não seria jornalismo.

Tentando fugir do tom espalhafatoso, o jornal "Folha de S. Paulo" (7/04/2007) traz o óbvio como manchete: "Mudanças climáticas vão afetar mais os mais pobres". A reportagem noticia a divulgação do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC). Na zona de fronteira das previsões sombrias sobre o futuro, o diário paulista publica vistoso infográfico no qual se lê entre outras: "Em 2050 mais de um bilhão pode sofrer escassez de água na Ásia"; "Um aumento de temperatura pode levar à savanização da Amazônia"... Não existe o contraditório. A mesma "Folha" publicara, dias antes, entrevista com o geógrafo Aziz Ab'Sáber (USP) defendendo que o aquecimento é bom para a floresta amazônica, ao contrário do que afirmam os cientistas do IPCC.

O resultado final do "aquecimento global midiático" é a banalização do tema, uma vez que tudo passa a ser jogado nesse poço sem fundo, dessensibilizando a sociedade. O geólogo inglês Martin Keeley adverte: "Nós ainda não conseguimos nem acertar a previsão do tempo para a semana que vem com precisão".


Jornalista, doutor em mídia e teoria do conhecimento pela UFSC e coordenador do curso de jornalismo do Bom Jesus/ Ielusc

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