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Matéria 4013, publicada em 02/04/2007.


:Clayton Felipe

Paulo Kastrup volta a Joinville para falar sobre literatura e futebol

Biógrafo do maior ídolo do Fluminense apresenta sua obra

Clayton Felipe


Os escalados para o time que comporia a mesa-redonda da tarde de sexta-feira, 31 de março, eram Macéio e Deco, colunistas de A Notícia, e Paulo Kastrup, jornalista carioca que escreve sobre futebol. O debate sobre literatura e futebol, porém, não aconteceu. Maceió amarelou. Não entrou em campo nem apareceu no vestiário. Só ligou para avisar que, num dia quente como aquele, iria à praia. E Deco, por ter sido promovido, ficou preso na redação. Restou, então, para Kastrup encarar a partida sozinho.

Na pouco freqüentada Feira do Livro, a platéia do jornalista era uma dúzia de crianças barulhentas. Kastrup, no entanto, pegou o microfone e, como Robinho em tarde inspirada, desatou a falar. De início, sobre literatura e futebol: “No Brasil nós tivemos três fases. Os primeiros foram Lima Barreto e Coelho Neto. Barreto, porém, achava o futebol nocivo ao brasileiro. O futebol era um mal. Já Coelho Neto, que era parente de Preguinho, um dos primeiros craques da nossa seleção, acreditava no futebol como uma grande qualidade do brasileiro”. A segunda ele chama de fase dos irmãos Rodrigues. “A minha grande referência é, com certeza, Nelson Rodrigues. Muitos o admiram pela dramaturgia, mas as crônicas de Nelson são maravilhosas”, diz, revelando sua admiração pelo grande cronista e irmão de Mário Filho, o qual também considera importante escritor de futebol pela obra O negro no futebol. Depois dessas duas fases, as letras e a bola se afastaram. Até que Ruy Castro lança a biografia de Garrincha, A estrela solitária. Nessa terceira fase, biografias de Canhoteiro, Didi e Leônidas da Silva foram publicadas nos últimos dez anos.

A partir desse momento, Kastrup sentiu-se à vontade para falar de seu livro O último vôo do herói: Castilho, o anti-Macunaíma, ainda não publicado. Trata-se de uma biografia completa do maior jogador do Fluminense. O arqueiro foi titular do time das Laranjeiras por dezenove anos e jogou quatro copas do mundo. Reserva de Barbosa (o goleiro mais injustiçado de todos os tempos) em 1950, atuou como camisa 1 em 54 e ficou no banco nos mundiais de 58 e 62. Disputava a vaga com o talentoso goleiro Veludo, um negro enorme e rápido, mas que não treinava, enquanto Castilho, que era sortudo e talentoso, treinava duas vezes mais do que qualquer outro jogador.

Histórias como essa, de Castilho e do futebol, Kastrup contou por mais quarenta minutos. As crianças haviam ido embora. Alguns transeuntes paravam e gostavam do papo. Um torcedor do Botafogo resolveu parar quando o assunto era Romário, pois o milésimo gol poderia sair contra o alvi-negro neste domingo (não foi dessa vez). O biógrafo contou suas motivações para escrever sobre Castilho e também porque o chama de o anti-Macunaíma – explica que isso se deve à boa imagem que Castilho construiu com muito treino, conduta ética e respeito profissional. Ouviu perguntas de um torcedor do Fluminense e de um do São Paulo, que comparou Castilho a Rogério Ceni.

Para escrever sobre Castilho foram dois anos de pesquisa. O livro, com mais de quinhentas páginas, é baseado em pesquisas diárias na Biblioteca Nacional, e em entrevistas com amigos, familiares e conhecidos do arqueiro, além de cem torcedores do Fluminense que ouviam a pergunta: “Qual foi o principal jogador da história do tricolor das Laranjeiras?”. Noventa e sete responderam Castilho. Os outros três não se perdoaram a falha de memória quando Kastrup falou do goleiro.

“Gosto do detalhe. De saber quem amarelou. Quem perdeu o gol”, revela o biógrafo que é admirador incondicional de Machado de Assis e Dostoiévski, e que tenta se inspirar em Nelson Rodrigues e Armando Nogueira para falar de futebol. É com esse espírito que ele narra detalhadamente a vida de Castilho e todo o contexto do futebol carioca e brasileiro da metade do século 20. Acredita que nada sobre o ídolo tricolor tenha-lhe escapado. Fã e filho de fã inveterado do goleiro, contou a trajetória do craque desde o início no Fluminense, passando pela história em que o camisa 1 amputa o dedo para poder jogar, ou quando, como técnico do Operário, foi ovacionado pela torcida tricolor. Também investiga as causas do suicídio em 1987, quando se jogou do sétimo andar do edifício onde morava a ex-esposa. O escritor ainda aposta: “É um livro pra quem gosta mesmo de futebol.”

O carioca Paulo Kastrup decidiu, aos 18 anos, parar em Joinville para ver o Festival de Dança. Acabou ficando e arrumou emprego como repórter setorista do JEC para a Rádio Difusora. Depois disso foi para os Estados Unidos. Lá atuou como repórter em uma pequena cidade na qual o treinador do time local não admitia que alguém sem diploma falasse mal da equipe. Então, estudou jornalismo nos EUA e voltou ao Rio de Janeiro.

Kastrup trabalhou nas TVs Globo e Manchete e, há dois anos, está sendo patrocinado pela Universidade Gama Filho para fazer essa pesquisa como tese de mestrado. Concluído o trabalho, ele espera que alguma editora se interesse pela obra. O escritor defende que se patrocine mais pesquisas como a sua, pois as testemunhas dessa história estão envelhecendo e morrendo. Como aconteceu com o jogador da seleção Didi, que tinha uma entrevista marcada com Kastrup e morreu na noite anterior.


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