A honraria que Wilson Gelbcke recebeu não lhe subiu à cabeça. O paraninfo da Feira do Livro de Joinville em 2007 continua sendo o mesmo senhor de 74 anos e ainda preserva os gestos largos e a fala grave. Não tornou seu apartamento na rua Felipe Schmidt um palácio nem se coroa como um intelectual inquestionável. Também não poderia, pois a feira ainda não é tão grande quanto se pretende, a ponto do próprio patrono não saber direito o que fará durante os dias do evento. “Eu acho que vou lutar para as pessoas saberem que devem gostar de ler”, diz o autor de 12 livros, entre infantis, históricos, um de poemas, uma biografia e alguns romances.
Para chegar ao seu escritório, no oitavo andar de um dos prédios ao lado do Shopping Mueller, é necessário primeiro passar por um corredor estreito, que guarda os livros dispostos em sete grandes prateleiras, numa viçosa estante de madeira de lei. Na prateleira restante estão as pastas que guardam as recordações de todas as viagens realizadas com a esposa. Registros que acabam virando documentos de pesquisa. O mais recente romance escrito por Wilson, “A terceira moeda”, foi inspirado numa viagem à Grécia. Porém, os maiores tesouros gelbckianos não estão nessas prateleiras. Quebrando à direita no corredor, e entrando na primeira porta à esquerda, está o seu “santuário”. “Todo mundo precisa de um canto só seu. O meu é esse”.
O escritório tem uma bela foto do casal Gelbke andando de bicicleta num jardim florido. O computador está logo abaixo, ao lado de gravador. Atrás da cadeira, num aparador, os livros que escreveu e os que usa para escrever sob uma janela com vista para o estacionamento do shopping. O ouro verdadeiro do santuário está do lado oposto. No canto, o espaço do Wilson Gelbcke pintor. Sua primeira obra, um grande barco num dia de tempestade, está no alto. Próximo, as tintas, os pincéis, o cavalete e os dois últimos quadros, também com barcos, ainda incompletos. “Eu respeito muito o mar, mas não me pergunte porque eu pinto barcos”. A habilidade foi cultivada no curso do Instituto Universal Brasileiro, feito por correspondência na metade do século 20.
No armário à direita estão guardados os originais de histórias em quadrinhos que Wilson ilustrou entre 1946 e 1951, alguns ainda sem texto. Entre eles, uma versão em quadrinhos de “Hamlet”, do inglês William Shakespeare. Esse hobby fez companhia a Gelbcke quando veio com a família de Florianópolis a Joinville, em 1946, até quando foi fazer o 2º grau em contabilidade em Curitiba, no ano de 1951. Lá, começou a montar vitrines e trabalhar com publicidade.
De volta a Joinville
Um episódio que acabou marcando a vida do escritor foi o convite de seu pai para participar de um almoço no Rotary Club de Joinville. A tradição rotariana diz que os convidados sempre têm de dizer algumas palavras nos eventos. Depois da propaganda feita pelo pai – supõe-se que a habilidade do pai de Gelbcke com as palavras fosse grande, já que ele era comerciante de seguros – o jovem levantou-se e falou fluentemente, impressionando Egon Freitag, um dos diretores da Consul na época. Nos dias subseqüentes, Freitag sempre pedia ao pai do escritor para que o chamasse para trabalhar na empresa em Joinville. “Eu vim. Imaginei que fosse ser um trabalho de uns dois meses. Foram 32 anos de empresa”, diz o responsável pela criação, na época, do Informativo Consul.
Atualmente aposentado, Wilson escreve e pinta. “Quando eu tinha 60 anos comecei a escrever e pintar. Acho que a gente tem de ter coragem pra fazer as coisas”. Por isso, ele se classifica como “pintor e escritor tardio”.
Mas o primeiro livro de Wilson Gelbcke não foi escrito recentemente. A história do homem que fica congelado durante 25 anos e depois retorna à vida foi esboçada ainda na juventude do escritor. Ficou esquecida alguns anos num baú que ganho da avó, e já repassado para a filha. Retomada a história, o autor mudou um pouco o enredo do que acabou virando “A máscara de Capelle”, seu primeiro romance. “Um tempo depois que eu terminei, teve um filme do Mel Gibson com a história igual a que eu tinha escrito”, conta, referindo-se ao filme “Eternamente Jovem”, de 1992.
Hoje em dia, Gelbcke escreve histórias como se escrevia antigamente. “A história tem de ter algo de bom, de bem. Tenho de sentir que tem uma razão nas minhas histórias”. Mesmo que a sua visão literária possa ser contestável, Wilson Gelbcke não abdica do prazer de escrever. “Nada vai substituir o livro. Ele tem essa vantagem: não morre. Temos de arrancá-lo da prateleira e gostar de leitura”. E complementa, com uma frase meio batida, mas que serve de lição de vida: “Para ser feliz não se deve fazer o que gosta, tem de se gostar do que faz”.
Ouça, na voz do próprio Gelbcke, a resposta para a seguinte pergunta (clique no link):
O que um escritor deve fazer para se eternizar, nesses tempos de imediatismo?