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Matéria 3544, publicada em 05/02/2007.


Nelson Rodrigues, a tragédia em vida e obra

Felipe Silveira


Fundamental à formação de jornalistas é conhecer os grandes nomes da literatura e do jornalismo. A forma mais eficaz e obrigatória de se fazer isso é a leitura das obras. Outra maneira interessante de mergulhar na vida dos autores é ler biografias. Mais numerosas no mercado editorial, a qualidade delas também evolui em grande escala. Cada vez mais outros grandes autores contemporâneos se dedicam e escreve-las. Pesquisam das raízes familiares até o que o biografado deixou para a posteridade. Resultam belas obras, como a do jornalista Ruy Castro, chamada O Anjo Pornográfico, a vida de Nelson Rodrigues. Pautada pela convivência, leitura e análise da obra e mais de setecentas entrevistas com amigos, familiares e tantas outras pessoas que puderam relatar alguma coisa.

Muitas vezes, para que se compreenda o trabalho de um escritor, é necessário conhecer seus motivos, suas experiências, dores e prazeres. Nelson Rodrigues, uma das maiores personagens, como também um dos maiores autores do Brasil é um exemplo. Foi o maior autor das tragédias brasileiras e provavelmente poucos tiveram a vida tão intensa e trágica quanto a sua. Por isso, em ordem cronológica, Ruy Castro conta em detalhes, a trajetória do anjo pornográfico, que foi perseguido, injustiçado e azarado até aclamado, sortudo, amante e amado, ou mesmo triste, como o próprio Nelson se definia. Sua obra é recheada de adultérios, tristeza, violência, sexo e, principalmente, morte. Temas retirados da sua observação da sociedade, mas que poderiam ser retirados (e foram) de sua própria vida.

Seria impossível explicar Nelson sem que se falasse de sua família, especialmente, do pai Mário Rodrigues e dos irmãos Roberto e Mário Filho. Dignos de biografias como a de Nelson, tiveram contadas no livro apenas as passagens que se relacionam com o filho e irmão mais famoso. O biógrafo produz um retrato da infância, cita causos e paixonites, desvenda curiosidades, descreve a viagem de Pernambuco (onde nasceu) até o Rio de Janeiro (cidade que adotou), explica os motivos, revela datas. Cada detalhe contado como peça importante pra entender a personalidade do artista que seria um dos mais influentes de seu tempo.

O autor de “Vestido de Noiva”, “Bonitinha, mas Ordinária” reinventou o teatro nacional. Foi perseguido pela censura, mas lutou e conseguiu que suas peças fossem encenadas. Nessa luta, contou com amigos influentes e simpatizantes mais influentes ainda, como Getúlio Vargas. Naqueles tempos em que a chama da esquerda e dos estudantes estava mais inflamada do que nunca, no qual não parecia haver direita no país, Nelson polemizava, ironizava passeatas, líderes, transformava até os melhores amigos em personagens de suas crônicas. Foi o que aconteceu com o psicanalista Hélio Pellegrino, grande amigo de Nelson e representante dos intelectuais no movimento contra a ditadura, tornou-se um assíduo freqüentador dos textos rodriguianos. Descrito como o “Dante Brasileiro”, “com sua inteligência diabólica era capaz de mover e comover as massas”, foi preso em 69. Nelson, mesmo com sua influencia com os militares, nada pode fazer pelo amigo e durante os dois meses que o intelectual esteve preso, visitou-o todos os dias, religiosamente, assumindo a culpa pelo fato. Uma das coisas que mais lhe causou sofrimento foi o engajamento do filho Nelsinho, militante de esquerda, na luta pela democracia. Com o filho preso, torturado e muitas vezes desaparecido, o pai lutava como podia pela liberdade do jovem. Também ajudou, através de suas influencias, o movimento de esquerda, não pela ideologia, pois talvez fosse o maior crítico, mas pelos amigos, amigos dos amigos e do filho.

Nelson foi um jornalista que levou o romantismo da profissão (da época) ao pé-da-letra. Problemas financeiros o acompanharam durante boa parte da vida. Seus ternos estavam sempre rasgados, eram usados todos os dias por muito tempo, mesmo furados, às vezes, não tão raras, fediam. Sobreviveu com a ajuda dos amigos. Teve uma relação próxima com Roberto Marinho, Samuel Wainer, e não tão próxima com Assis Chateubriant. Teve muitos amigos, grandes intelectuais, um dos maiores foi o jornalista mineiro Otto Lara Rezende, protagonista de histórias bem humoradas desse livro.

Nelson Rodrigues publicou milhares de crônicas, oito peças, e alguns romances, primeiro sob pseudônimo, depois como Nelson mesmo. No decorrer do livro, o leitor se surpreenderá com a quantidade de textos que ele produziu desde quando começou aos treze anos no jornal de seu pai. Só em “A Vida Como Ela É” são mais de duas mil crônicas. Há também os romances e suas memórias, chamadas de “As Confissões”. Estas últimas foram escritas quando tinha 54 anos. Pode até parecer muito cedo para alguém relatar suas memórias, mas tal impressão é dissipada neste trecho do livro: “Desses 54 anos, ele passara quarenta em redações. Era toda uma vida. Fizera parte de jornais e revistas de berço, na plenitude e na morte. Atravessara todas as revoluções gráficas, estilísticas e empresariais da imprensa naquele período e, nem que fosse como coadjuvante, acompanhara de perto todas as transformações políticas do Brasil...”.

“As Confissões” geralmente continham poucas memórias e segredos. Muitas eram provocações, um dos traços mais marcantes da personalidade do autor, e que provavelmente arrancarão risos do leitor dessa biografia. Porém, quem sorrir e se envolver com o bom humor do “artista maldito” dificilmente não se emocionará com a tragédia que acompanha toda a narrativa dos 68 anos de Nelson Rodrigues.

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