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Matéria 3542, publicada em 04/02/2007.


:Eva Croll

A obra: livro de cabeceira obrigatório aos que aspiram às mudanças sociais

Uma bússola para a revolução

Eva Croll

Movidos pelo desejo de plantar sementes de mudança, ou, simplesmente, destravar as idéias tímidas de revolução que habitam a mente de muitos, Pedrinho Guareschi e Roberto Ramos dedicam sua obra, “A máquina capitalista”, principalmente a jovens que encontram dificuldades em conciliar idéias de justiça e ética numa sociedade em que discursos oficiais divergem totalmente da prática diária.

As 114 páginas se dividem em duas partes. A primeira, de caráter teórico, é desenvolvida por Guareschi. No decorrer dos quatro capítulos, a máquina, que também pode ser tratada por máquina social, é apresentada ao leitor de forma estritamente crítica. Ao explicar seu funcionamento, logo no primeiro capítulo, o autor ilustra de forma genial as conseqüências que o aparato exerce sobre a sociedade através da poesia “O operário em construção”, de Vinícius de Moraes. O enredo da poesia, que mostra como um operário, subitamente, deixou de ser ingênuo para passar a dizer “não” para o patrão, exemplifica toda a filosofia de Guareschi ao longo do capítulo: muito bem representadas pelos versos, as palavras do autor se encaixam como luvas na situação da sociedade.

A máquina em questão, portanto, não é tida como um instrumento autônomo e estável, que trabalha sem o auxílio de nenhuma influência adicional: uma vez que foi montada de acordo com determinados interesses particulares, funciona apenas se controlada por um maquinista, e alimentada por combustível. Como não poderia faltar em nenhuma obra de caráter sociológico, o leitor depara-se logo no segundo capítulo com a exploração do termo “superestrutura”, bem conveniente, aliás, já que cita os principais aparelhos repressivos e ideológicos que fazem com que a máquina social se reproduza, enquanto grande parte da população é enganada pelas entidades assistenciais. Para exemplificar a concentração de poder nas mãos de uma minoria poderosa e influente, o autor levantou a prova mais concreta e evidente possível: a não-institucionalização da bandeira de luta dos milhões de trabalhadores sem-terra.

Ao folhear as páginas do livro, não há como deixar de fazer breves pausas. Não pelo fato de precisar recapitular trechos, já que a leitura é de fácil compreensão, mas sim para associar ao cotidiano as informações recebidas. Os exemplos convincentes e a linguagem provocante têm o objetivo de fazer ver aos ingênuos e despertar-lhes o senso crítico. Guareschi é determinado em mostrar que, a partir do momento em que passamos a ter consciência da maleabilidade do sistema, sabendo que tais regras foram criadas por ninguém mais que a humanidade, estamos a um passo da liberdade.

O terceiro capítulo, que trata das contradições fundamentais, isto é, da divisão das classes sociais, utiliza o trabalho como um personagem principal de dupla personalidade: ao mesmo tempo em que dignifica alguns, explora outros. O autor chega, inclusive, a comparar operários alienados a máquinas, já que não participam da divisão justa do capital gerado e, ainda por cima, não têm consciência da sua condição na sociedade. Afinal, tudo o que buscam é o mínimo das condições de sobrevivência. Guareschi atribui tal segmentação de classes à educação, citando, portanto, o princípio da teoria funcionalista sistêmica: aquela que classifica a população de acordo com determinados atributos, colocando-as em “caixinhas”. O capítulo, que mereceu análise mais profunda, mergulha em filosofias marxistas e, ao fim, identifica as três posições contraditórias mais comuns.

No quarto capítulo, a posição neutra que tomam alguns profissionais é desmistificada. A neutralidade merece, inclusive, um subtítulo em meio às abordagens. Após ter dissipado toda a ideologia nas páginas anteriores, Guareschi faz de sua última parte de contribuição no livro a mais interessante delas. Nela, o autor explica-nos porque é possível parar a tal máquina na qual estamos inseridos. Incita, diretamente, seus leitores a libertarem-se da submissão, do “agir negativamente”, como é chamado por ele. Mais uma vez, o livreto se mostra um detalhado manual de instruções para jovens dispostos a mudar o caos em que se encontra a sociedade.

Mesmo tendo usufruído uma leitura teórica intercalada com diversos exemplos, o leitor é presenteado, na segunda parte, com as peripécias do jornalista Roberto Ramos. O repórter, ao contar as aventuras de um profissional de comunicação solto nas entrelinhas do sistema, apenas comprova todas as palavras escritas pelo autor anterior. Três capítulos contam o porquê de a Rede Brasil Sul (RBS) pagar tão mal seus funcionários. Aliás, a rede dos baixos salários é tida como um exemplo, em menores proporções, de máquina capitalista. Impossível não se impressionar, também, com os dilemas enfrentados pelo jornalista no jornal gaúcho Zero Hora, tratado por Roberto como “a cria do autoritarismo”. Atitudes ousadas são descritas, assim como acontecimentos marcantes dos quais fora participante. Por meio de causos, é exemplificada a psicologia da exploração, bem como as regalias das quais dispõem autoridades influentes tanto dentro quanto fora das redações brasileiras. Em suma, as últimas páginas que serviram de desabafo para Roberto traduzem, nitidamente, a experiência de alguém que optou por ser coerente.

Pedrinho Guareschi e Roberto Ramos, enfim, foram capazes de lançar uma obra que pudesse converter o clamor da nova geração em elementos positivos, encaminhando-os em direções fecundas. O livro, apesar de ser direcionado para jovens, não tem pré-requisitos. Utiliza argumentos coerentes e capazes de plantar em mentes férteis o desejo da mudança, da liberdade. Afinal, apenas pessoas conscientes e críticas poderão ser úteis na formação de uma sociedade mais justa e democrática, e de qualquer idade.

800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.