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Matéria 3540, publicada em 24/01/2007.


O romance de Sigmund Freud

Jouber Castro


Para alguém que não é leitor muito assíduo, escolher uma pequena ilha - ou seja, um livro - na vastidão do mar didático com que se depara o calouro é uma tarefa complicada. Uma obra que deve chamar a atenção dos novos ingressantes lá pelo mês de agosto, na disciplina de Psicologia Social, é “Mal-estar na Civilização”, escrito pelo pai da psicanálise, Sigmund Freud. Trata-se, além da elucidação da estrutura da ciência psicanalítica que é praticada em todo o mundo, de um mergulho no estudo da ação e da reação do homem perante seu semelhante e a natureza. Assustou-se, dileto calouro? Pois acalme-se. Mesmo tendo quase cem anos (a primeira edição é de 1929), o texto de Freud é simples e de fácil entendimento, contando ainda com exemplos que facilitam muito o trabalho do leitor.

Ao longo dos oito capítulos do livro, Freud avança em quatro frentes diferentes e simultâneas, que se entrelaçam e se alternam, emergindo periodicamente:

1. Uma frente descreve o processo de evolução da mente humana, paralelo e semelhante ao comportamento da civilização (sociedade);

2. A segunda trata do desenvolvimento dos elementos da mente na criança, no decorrer do seu crescimento;

3. A terceira mostra a dicotomia existente na mente humana e como esta influi no comportamento do homem na sociedade - o pacote conta também com uma explicação detalhada dos conceitos de ego, id e superego, indispensáveis ao longo da obra, além de comentários sobre as patologias da mente;

4. E a quarta frente é um exercício didático de Freud. Exercício didático porque ele, como se fosse um romancista, vai apresentando as idéias aos poucos, conforme a informação se torna necessária, para ter certeza de que o leitor está fundamentando bem os conceitos e entendendo suas teorias.

É por isso que o primeiro passo freudiano em “Mal-estar...” é mostrar ao leitor o “protagonista” do seu “romance”, o ego. Sem entender o conceito de ego que Freud apresenta é impossível compreender o resto da obra. Logo em seguida aparece o primeiro “coadjuvante”, o id, responsável pelos instintos humanos. Ainda no início do livro, o pai da psicanálise explica o que são os princípios da realidade e do prazer, determinantes da condição e do comportamento do homem, respectivamente. Freud mantém-se nesse ritmo até o terceiro capítulo, tratando dos princípios da mente e seus reflexos na realidade.

No quarto capítulo emerge a análise histórica, e o autor começa a discorrer sobre como se deu a evolução da mente por meio da explicação da origem do amor afetivo (que Freud chama de “amor inibido em sua finalidade”) e do desejo sexual enquanto instinto - chamado de “amor genital”. O grande diferencial da escrita freudiana (que, aliás, a torna de fácil compreensão) são os exemplos sempre bem amarrados com o progresso do raciocínio. E já que falamos de exemplos, aqui vai um: para sustentar a função do amor na constituição da personalidade do homem, Freud cita o mandamento bíblico “amarás teu próximo como a si mesmo”, já no quinto capítulo. Prega, a partir daí, que o amor deve ser valorizado, mesmo que as exigências da sociedade digam o contrário.

Desse ponto da obra em diante, até o sétimo capítulo, Freud explora o tema da agressividade e a maneira que o homem a projeta nos semelhantes e em si mesmo. Apenas nesse momento o “romancista psicanalítico” revela seu último personagem, o superego, responsável, dentro da mente, pelo sentimento de culpa - que conhecemos como consciência - e a necessidade de punição. Então Freud transita pelos conflitos entre superego e id e pelo que acaba sobrando para o ego, o remorso e a renúncia. Nesse mesmo sétimo capítulo o autor também cogita como provavelmente se deu o início histórico do desenvolvimento do superego, com a história dos filhos que se juntaram para matar seu pai. O último capítulo serve para o autor formalizar o seu “diagnóstico”:

“Os homens adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda, não teriam dificuldade em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é daí que provém grande parte de sua atual inquietação, de sua infelicidade e de sua ansiedade”.

Por todo esse raciocínio bem acabado, Freud merece ser lido em “Mal-estar na Civilização” com muita atenção, justamente para que haja uma boa assimilação. A dica para quem está disposto a encarar essa selva de novos conceitos é não colocar a carroça na frente dos bois. Cada exemplo de Sigmund Freud é como um pequeno tijolo. Quando todos estiverem nos seus lugares, bem fixados, estará pronto o novo castelo, e você, calouro, poderá, dentro dele, aplicar os novos conhecimentos da mente em sua vida cotidiana (e no fichamento que a professora Márcia deve pedir lá pelo mês de outubro).

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