A morte da modelo Ana Carolina Reston Marcan, aos 21 anos, na semana passada, em conseqüência de anorexia nervosa, reacendeu a polêmica em torno do “padrão de beleza” ditado pela indústria da moda. O assunto não é novo, contudo cabe uma discussão: qual o papel da mídia nesse tipo de acontecimento?
Os chamados transtornos alimentares são pautas raras na imprensa. O assunto só ganha espaço se alguma celebridade é acometida ou vitimada pela bulimia ou anorexia. A mídia faz o seu “show” e isto volta a dormitar em alguma gaveta das redações até a próxima fatalidade.
Em abril de 2005, o Dr. Drauzio Varella discutiu a questão num programa veiculado na TV Globo. Ele narrou uma história típica: “Uma legião de meninas aprende, desde cedo, que ser magra é ser bonita. E, quanto mais magra, mais bonita. Com certeza você já viu Jeisa Chiminazzo. Ela está em várias revistas de moda, no mundo inteiro. É uma modelo de sucesso. Começou a trabalhar aos 13 anos. E hoje, com 19, pode estar no Brasil, em Paris, Tóquio, Milão ou Nova York, onde mora”.
O médico calculou o Índice de Massa Corporal (IMC = peso dividido pela altura ao quadrado) de Jeisa e diagnosticou: a modelo estava com IMC 15,32 (48kg e 1,77m de altura), um quadro de subnutrição preocupante. As pessoas consideradas “saudáveis” têm um IMC que varia entre 18,5 e 24,9. Ou seja, abaixo de 18,5 de IMC já caracteriza subnutrição – com sérios riscos à saúde.
Para se “dar bem” no mundo da moda, as meninas devem ter mais de 1,70m de altura e menos de 90cm de largura de quadril. Ou seja, uma modelo com 1,80m de altura deve vestir, no limite, uma calça tamanho 36. Na reportagem publicada no AN (20/11/06) o dono da agência Mega, Eli Haddid, é taxativo: “Esse é o perfil da passarela e, se a modelo engordar, não tem jeito, ela não desfila”.
No “mercado” a polêmica também está posta. De um lado, as profissionais indicam que o problema é grave. “Não foi uma coisa isolada. Existem muito mais modelos com distúrbios alimentares sérios do que a gente imagina”, confessou a top Isabella Fiorentino. Os empresários do setor negam. A diretora da agência Elite, Adriana Leite, diz candidamente que “a responsabilidade é muito mais da família”.
A mensagem de Amélia Artes, publicada na coluna de Marcelo Beraba (Folha de S. Paulo, 19/11/06), dá uma boa pista ao debate: “Toda mídia tem falado da morte da modelo por anorexia. Tirando a lamentável perda de alguém tão jovem, vejo muita hipocrisia na cobertura. Até que ponto a imprensa não ajuda na produção dessas pessoas? Vou explicar: várias vezes recebi, junto com o meu jornal, um encarte de moda. No último que recebi, alguns meses atrás, as modelos eram tão magras que mais pareciam estar na sala de espera de uma clínica para atendimento de anorexia. Vocês valorizam esses ‘modelos de beleza’, ‘vendem’ esses produtos e depois se dizem chocados! Por que não boicotar esse tipo de exploração da magreza humana?”.
Frente ao ditame da indústria da moda, a imprensa tem se comportado, em geral, de forma acrítica, mais preocupada em vender os seus produtos do que em apurar, informar e esclarecer à sociedade. A mídia assimila, por pragmatismo comercial, o “padrão” (muito explorado nas “fashion weeks”) e supervaloriza um ideal de beleza “incompatível com a vida”, na visão precisa do Dr. Varella.
Samuel Lima é doutor em mídia e teoria do conhecimento pela UFSC e coordenador do curso de jornalismo do Bom Jesus/ Ielusc.