Ontem me vi centímetro,
Distância mínima
Entre o abrir e fechar dos
olhos
Fresta grande o suficiente para fazer o sol dormir
Sonhava em
ser quilômetros,
Léguas de horizontes não vistos
Entre o céu, a terra e
outras membranas
Área grande o suficiente para ser habitações de
cegos
Sonhava em ser volume,
Metros cúbicos e quadrados
Entre
alturas, larguras e demais profundidades
Vazio grande o suficiente para
prender as ilusões
Sonhava em ser perímetros,
Cartografias mal
traçadas
Entre a idade dos homens e seus pretéritos
Memória grande o
suficiente para ser lembrada
Acordei e me vi centímetro,
Enquanto o
mundo se fez quadrado
E o relógio completava sua circunferência
Eu era
um centímetro:
Espaço-abrigo de fagulhas duma folha seca caída em neve de
inverno
Longe dos mundos feitos em linhas de chegada
Hipotermia
A cada respiração sinto o ar
gelado
Um iceberg se desprende do mundo
e invade os pulmões
Todo
suspirar é avalanche:
Nevada inflame dilacera os olhos
e petrifica os
passos
(Uma estátua deveria ser alguém feliz
apenas não é possível se
limpar
das sujeiras dos passarinhos)
Há pouco, na travessia, sentia o
verde do ar
O sol ártico queima como os ferrolhos infernais
Mas não
degela, não escorre, não derrete
Todo piscar é combustão:
Fogo-gelo
incinera as mãos
e aguça os sentidos
(Um esquimó deveria ser alguém
feliz
apenas não é possível se distanciar
dos invernos dos
pingüins)
O espírito também sente o ar gripado
Nas temperaturas
negativas o calor é mais abrasivo
e transpassa as epidermes da alma
Todo
viver é suicídio:
Geadas entram pelo nariz
e labaredas saem pela
boca
(Uma criança deveria ser alguém feliz
apenas não é possível se
esquecer
dos uivos dos lobos)
Linha-guia
se o vento é forte, ela o puxa
para cima
se o vento é fraco, ele a traz para baixo
ela resiste, mas cede
ao movimento dele
ele insiste, mas nega o movimento dela
distante, ela
escolhe ares além
exausto, ele recolhe olhares porém
o menino é
marionete da pipa
ou
a pipa é marionete do menino?