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Matéria 3364, publicada em 20/11/2006.


:Letícia Caroline

Dicionário Houaiss: quatro quilos distribuídos em 3.008 páginas

Dicionário levou 15 anos para ser concluído

Letícia Caroline


Em 21 de setembro de 2001, vinha ao mundo o marco na história da língua portuguesa. Depois de uma gestação longa e excepcional, nascia o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. O filho do filólogo Antônio Houaiss e de uma equipe de 180 colaboradores tinha dimensões metuendas para um bebê desta natureza: exatos quatro quilos distribuídos em trinta centímetros de comprimento e seis centímetros de largura. Mas foi com intuito de sobrepujar os concorrentes que o "desmancha-dúvidas" proveio assim corpulento, com 3.008 páginas.

A obra começou a ser idealizada em 1986. Depois de oito anos de coleta de dados, Houaiss teve que parar os trabalhos por falta de recursos. Para retomar o levantamento, foram feitos acordos com a editora Objetiva. Ao longo dos 15 anos, foram investidos sete milhões. O projeto audacioso ganhou até estilo de letra diferente, criado especialmente para o dicionário, e batizado de “fonte Houaiss”.

O tempo de maturação foi conturbado. Além de haver suspensões no processo de produção, a obra perdeu o idealizador em 1999, pouco antes de o trabalho estar concluído. Com a morte do estudioso, os integrantes do Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia assumiram os últimos momentos de criação.

Todo esse tempo resultou em um dicionário lusofônico, ou seja, que inclui palavras usadas em outros países que utilizam o português, tais como: Açores, Ilha da Madeira, São Tomé e Princípe, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Macau e Timor Leste; além de contar com regionalismos brasileiros e portugueses, em sua longa lista de verbetes.

Depois de pronta, a versão brasileira foi enviada a Portugal para que os lexicógrafos adaptassem as acepções portuguesas de cada verbete. E assim foi feita com a versão portuguesa, que veio para o Brasil, para serem incluídas as acepções brasileiras. As últimas horas de gestação iniciaram no ano 2000, quando a equipe da editora começou a revisão. Trinta e cinco pessoas foram selecionadas para fazer seis leituras dos 228 mil verbetes e das 380 mil definições.

O “pai dos burros” também tem pai

O criador do dicionário mais completo da língua portuguesa nasceu no Rio de Janeiro, em 15 de outubro de 1915. Filho de imigrantes libaneses, Houaiss era apaixonado pelo idioma materno desde pequeno, tanto é que começou a lecionar português aos 16 anos. A partir daí a carreira como especialista da língua não parou mais. Estudou a vida toda no ensino público, sempre no Rio de Janeiro. Em 1942, formou-se em letras clássicas pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Além disso, foi filólogo, tradutor, crítico de literatura, escritor, lexicógrafo e diplomata. Para somar ao seu extenso currículo, Houaiss ainda tornou-se gourmet e publicou dois livros referentes a culinária: “Magia da cozinha brasileira”, de 1979; e “A cerveja e seus mistérios”, de 1986.

Como tradutor, foi o responsável pela versão em português de “Ulisses”, de James Joyce. Como professor, além de português, ensinou latim e literatura. Como escritor, produziu 19 obras. Atuou na área de jornalismo também, sendo redator do Correio da Manhã, entre 1964 e 1965. Prosseguindo com a ânsia de contribuir para a cultura brasileira, Houaiss produziu em 10 anos duas enciclopédias importantes: a “Grande Enciclopédia Delta-Laurosse” e a “Enciclopédia Mirador Internacional”. Todas essas atribuições culminaram com a eleição para a Academia Brasileira de Letras, em 1º de abril de 1971.

Como funcionam as “engrenagens” do Houaiss

As mais de 3 mil páginas do Dicionário Houaiss têm uma lógica própria. Quando surge uma dúvida e você procura pela palavra, no dicionário ela chama-se verbete. Antes da primeira definição, você encontrará a ortopéia e a datação, respectivamente. Depois disso, iniciam as acepções, que vêm numeradas, e são as diversas definições do vocábulo procurado. Seguem-se então exemplos de uso, plurais, sinônimos, antônimos e variantes. Não se pode esquecer o campo da etimologia, afinal, o Dicionário Houaiss é o pioneiro neste quesito. Somando aos dados de data e origem, a obra ainda explica os diversos significados que a palavra foi englobando ao longo das décadas. Há casos em que as palavras ocupam páginas inteiras, tal como o vocábulo linha, que tem quatro colunas entre as páginas 1.764 e 1.765 para as definições. Outro exemplo é o verbete cachaça. Divididas em duas colunas, estão as acepções e definições da famosa bebida. A palavra língua também ganha destaque. Suas definições estão entre as páginas 1.762 e 1.763 e ainda conta com um quadro mostrando as línguas mais faladas no mundo.

Houaiss X Aurélio

Até 2001, quando do lançamento do Houaiss, o dicionário que reinava absoluto na língua portuguesa era o Aurélio, que virou referência em dicionários. Aurélio Buarque de Holanda, pai do “Aurelião”, também foi crítico, ensaísta, filólogo, professor e tradutor. Assim como Houaiss, iniciou a carreira de professor muito cedo, aos 14 anos. No entanto, formou-se em direito, em 1936, pela Faculdade de Direito do Recife. E foi com a mesma paixão do lexicógrafo carioca que ele iniciou sua principal obra, lançada em 1975.

O Novo Dicionário da Língua Portuguesa, agora na edição no século 21, é um retângulo de 27 centímetros de comprimento, seis centímetros de largura e 3,1 quilos, pouca diferença do concorrente. Entre suas 2.128 páginas estão distribuídos 160 mil verbetes e 272 mil definições, respectivamente, 68 mil verbetes e 108 mil definições a menos que o adversário Houaiss. Apesar das diferenças de conteúdo, os dois dicionários têm uma linha de produtos igual, que inclui a versão digital, os minidicionários, os dicionários infantis e outras edições que se somam à série.

Voltando à questão de conteúdo, alguns vocábulos também sofrem alterações. É o caso da palavra cachaça, que não ocupa duas colunas como no Houaiss, e dispõe de apenas seis acepções. Já a palavra língua tem quatro colunas, incluindo 12 acepções, gírias e outras definições.

Deixando diferenças e peculiaridades de lado, os dois dicionários seriam essenciais nas escrivaninhas de jornalistas, estudantes e tantos outros envolvidos com a língua portuguesa. Afinal, algumas palavras podem ser encontradas em um deles e no outro não. O Houaiss e o Aurélio juntos custariam em torno de R$ 600. Para um estagiário, o investimento comeria 75% de seu suado dinheiro (levando em consideração, o salário de R$ 800). Já para um jornalista formado, trabalhando em Santa Catarina, onde o piso salarial está fixado em R$ 1.010, os dois dicionários poderiam ser adquiridos sobrando mais que um salário mínimo: 410 reais. Mas se você não se formou, não é estagiário e muito menos rico, pode optar pelas versões mini do Aurélio e do Houaiss que custam R$ 13,90 e R$ 29,80, respectivamente.

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