Caída em meio às dunas, não pertence. Não seria ali que a procurariam. A
vastidão de grãos, ásperos e secos. Um tronco. Um banco. Pernas não
sustentam. Na areia, um círculo se desenha facilmente. Dentro de um
triângulo. Palavras. Palavras. Erroneamente ditas. Vento apaga. Lembranças
esvaem. Faz tanto tempo. Grãos que correm, grãos que caem. Uma
ampulheta. O vento canta. Uma cantiga de ninar? Faz tanto tempo. Um
círculo novamente. Dentro um triângulo. Palavras. Palavras. Erroneamente ditas,
mas que resultam. Criam. Um erro aparece hominídeo. Me ajude a voltar.
Uma ampulheta. Sorri.
Aparecido em frente à dama, sorria involuntariamente. Não tinha sido chamado
mas ouvira a súplica. Isso não o impedia. Isso o compelia, na verdade. Na
mentira. Não brinque comigo. Tão simples. Tão fácil. Tão divertido. Me
leve de volta. Aqui estamos. Um círculo. Umas palavras. Por que não falou o
certo? Por quê? Por quê? Uma ampulheta. Círculo que some. Grãos que
acabam. Sorriso que aumenta.
Voando num impulso, tomava o que queria. Uma garganta era um cálice.
Possibilitava o retorno. Voltar a não existir. Aos poucos. Não era isso.
Uma ampulheta. Não grãos. Nem palavras. Resultam em cachoeira. Descendo rio
púrpura. Jorrando vida. Vai. Por quê? Endurecendo. Escurecendo. Rubro
alimento. Palavras. Palavras. Únicas. Nunca. Ele sorri. Triângulo.
Túmulo. Círculo. Vento e areia. Ele sorri.
Contorno
Aquela expectativa vai e vem e volta para assombrar os pensamentos mas sempre
vem com um sorriso de lembrança pela minha e a tua ignorância da idade tenra
terra vermelha barro grudado na sola sujando ao passo que com passos passamos
por mais um ano sem notícias minhas e suas e nossas que já não existe mais esse
nós que um dia existiu pelo menos no pulsar e na corrente e na cabeça nos olhos
de um para o outro recíproco e reprimido pelos outros e por nós mesmos mas se
esse nós não existiu para os outros e sim para nós cada um lidando com isso ao
seu modo e se quando foi pra existir o nós eu disse não foi por não querer mas
por outros não quererem o que nós dois queríamos sem admitir.
E hoje eu achei no meio de minhas coisas antigas de colégio uma foto da turma
e lá está você com seu cabelo alaranjado me olhando com os olhos verdes e um
sorriso no rosto enquanto eu estou alheio à sua atenção e agora penso como você
esteve sempre perto naqueles dias mas eu não notei e agora vejo os vasos de
cerâmica tortos no parapeito da janela com uma flor meio murcha que me lembra de
você de seu rosto a expressão tristonha sentada com as mão nos joelhos no pilar
que abriga o mastro da bandeira e você encostada nele cabisbaixa e eu passando
correndo chutando uma lata amassada de coca-cola pelo pátio.
Te vi essa semana no almoço você sentada de blusa regata preta com seu pai e
sua mãe e só então percebi que mesmo com toda nossa história fictícia ao longo
dos anos eu nunca os tinha conhecido e o contraste de vocês três é absurdo os
dois são velhos com aspecto de agricultores ou não sei bem talvez sua mãe fosse
professora primária de escola pública e seu pai ele parece um contador com a
camiseta de gola pólo abotoada até o pescoço no calor da rua porque dentro do
restaurante o ar condicionado nos engana e você a garota que estudou e fala
francês e lê livros sobre a etimologia sexual das neuroses e a lógica do
inconsciente esporadicamente tenta puxar papo e faz algum comentário mas vocês
três continuam a maior parte do tempo comendo em silêncio com as cabeças baixas
há duas mesas da minha enquanto eu e meu pai bebendo uma cerveja bem gelada
esperamos a fila do buffet ficar menor para nos servirmos de pedaços de carne
mal passada e talvez um pouco de arroz feijão algumas alfaces e tomates tão
vermelhos quanto o sangue escorrendo pelo boi morto no prato do seu pai.
Fico imaginando se um dia nós sentássemos para tomar um café ou uma cerveja
ou um café irlandês se iríamos ficar nostálgicos relembrando os momentos que
poderíamos ter aproveitado realmente juntos e não apenas juntos como
aproveitamos ou se passaríamos o tempo discutindo coisas novas e talvez
inventadas no momento e eu falaria sobre a sinceridade das palavras e você diria
que palavras não são sinceras são poços de subconsciência com intencionalidade e
eu diria que não que as palavras em seu estágio primitivo são desprovidas de
elementos manipulativos e que quando contextualizadas pelo homem é que elas
adquirem a intencionalidade e manipulam a mensagem e você diria que eu estava
manipulando a mensagem pensando cada palavra para encaixá-la na sentença como se
estivesse montando um quebra cabeça com o desenho dos seus olhos dos quais eu
não conseguiria desgrudar os meus e a verdidão que seria o caminho entre os teus
e os meus olhos seria como um pequeno canteiro de um mundo que pouco aproveitado
transladava em torno de nós dois criando um campo que nos atraia um para o outro
e cada vez chegaríamos mais perto e mais e mais e mais e juntos primeiro os
dedos que estavam na xícara ou no copo e logo as mãos puxando para fora do café
e puxando um para o outro colados corpo a corpo e mãos percorrendo cabelos
braços rostos e lábios encontrando finalmente lábios empurrando e puxando para
si e para sós entrelaçados entregarmo-nos um ao outro.
Talvez acordaríamos lado a lado contornado com os olhos as curvas dos corpos
e do cadenciamento do peito respirando inspira expira inspira expira cima baixo
lentamente sem preocupações porque se preocupar se isso teria sido apenas o que
já deveria muito antes ter acontecido por um caminho menos abrupto mas que não
seria abruto esse caminho que faríamos do café até um ao outro seria apenas um
caminho mais longo de anos que não deveríamos ter desperdiçado separados e sim
desperdiçado deitados como seria agora nus lado a lado percorrendo com os olhos
o contorno que teríamos feito até chegar ali naquela cama respirando o agradável
ar do encontro e da carne finalmente e você voltaria para sua torre e para eu
para minha ilha mas nenhum homem é uma ilha e voltaríamos correndo e nos
chocaríamos no caminho e terminaríamos sendo então o que sempre deveríamos ter
sido desde o início todo o tempo.
apenas um do outro.
Pétalas em pílulas
O olhar perdido no branco do teto lutava contra as lágrimas, evitando de
piscar para elas não fugirem. Não sorria desde ontem, não falava desde cedo e
não piscava desde agora.
Kant disse que chega um momento onde o ser humano não consegue mais
aprender.
Kant era um estúpido. Até no fim se aprende a morrer...
E eu ali segurando-a, frágil rosa com as pétalas murchando, os espinhos já
sem força para espetarem e rasgarem a pele inconformado, o pólen vazando e o
tronco indo e vindo como se balançando pela brisa; a seiva bruta parando.
E eu desesperado, as lágrimas escorrendo pela face, implorava até mesmo para
deus, por uma mudança no caminho, um desvio, um retorno ao jardim, à
florescência no canteiro.
Enquanto isso, as cinzas e o sal brilhavam disformes na cartela, em cima da
televisão.
Tambor
Aquele que não é se encontra em brasa. Os outros, sob o perfume de alguma
flor. Desvario de um triângulo enquanto as sombras dançam. O palpitar em que
tudo é vibrante. Gigantescas figuras arrebatam para uma quente idéia do
infinito. As sombras falam indistintamente. Monotonia que agita coisas
proibidas. Palpitar em que tudo é novamente vibrante. Ardente.
Risca chão, transforma a volta. Torna tudo, trono volta.
Fala a língua que nada entende. Terra ouve, terra treme.
Abre o poço azul
profundo. O vermelho pinta o mundo.
Chora rubro, choro púrpura. Consumindo a
própria cura.
Bebe o sangue, a viva arte. Sanguessuga aumenta em
parte.
Cozinhamos amor próprio, alcançamos áureo e mórbido.
Chamuscado o
medo existe, sobre os olhos fogo triste.
Mas chorar não sai em lágrimas.
Rolam brasas pela cara.
Alcança o chão lágrima ardente. E se abre decadente.
E com braços se estende, chamas, lar, eterno ventre.
No negror da noite, o respirar das trevas não acalenta. A madeira ainda
quente, sufocando por final o instinto. O palpitar intransigente. Rufar do
coração.