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Matéria 3346, publicada em 17/11/2006.


O admirável novo homem das cavernas

Ângelo Ribeiro*

A possibilidade de participação do público na produção de conteúdos nos meios de comunicação é apenas a conseqüência mais recente (mas longe de ser a última) de uma evolução tecnológica que começou há milhares de anos. Imagine uma linha do tempo que inicia com os primeiros desenhos em cavernas e termina na atualidade, com um jovem transmitindo as imagens de sua festa de aniversário, por celular, para um amigo que não pôde comparecer por estar no outro lado do mundo. A necessidade de transmitir uma mensagem a alguém que não pôde presenciar os fatos, contar uma história, é o ponto em comum entre o jovem e o homem das cavernas.

O que mudou, ao longo dos séculos, foram as possibilidades de alcance, multiplicação e, principalmente, de acesso aos meios de produção de conteúdo. E o que possibilitou esta mudança foi a evolução tecnológica. A tecnologia da informação e da comunicação (TIC), ao contrário do que supõe o senso comum, é altamente inclusiva e democrática no sentido de tornar mais fácil ao ser humano a sua manifestação.

Voltemos à linha do tempo. Embora existam registros de pinturas rupestres durante o Período Paleolítico, entre 100 mil A.C. e 10 mil A.C., vamos restringir a nossa linha aos últimos 12 mil anos. Se usarmos como referência uma reta de 12 cm, cada centímetro representaria mil anos. Note que a imprensa - os livros são considerados a primeira mídia “moderna” de transmissão de conhecimento em larga escala - ocuparia os últimos 5 mm da régua. Para localizarmos a data de “nascimento” da televisão, teríamos que forçar a vista; para enxergarmos o início da internet, precisaríamos de um microscópio.

Agora, se imaginarmos uma outra linha, vertical, para medir a quantidade de pessoas habilitadas a se manifestar através de um meio de comunicação, ocorrerá exatamente o inverso. Mesmo entre os homens das cavernas, a possibilidade de manifestação não oral era restrita aos que dominavam a técnica da pintura. Eram artistas altamente qualificados, uma elite intelectual privilegiada por uma capacidade inata para o desenho e educada, à maneira da época, para isso. Nesta linha vertical, para enxergar o comunicador, precisaríamos de um microscópio. Na outra ponta da linha, já na época dos livros, é possível enxergar a população de comunicadores, ou produtores de conteúdo, a olho nu, sem nem mesmo uma lupa. Mesmo assim, só quem faz parte de uma elite econômica e cultural pode exercer o papel de se comunicar além do seu círculo social mais próximo, ou seja, consegue mandar a sua mensagem para a sociedade em que vive. É preciso ter muito dinheiro para o equipamento – a prensa – e o domínio da língua escrita.

Os outros meios e tecnologias da comunicação após isso, passando pelo rádio e televisão, aumentaram a capacidade de recepção da mensagem. Abriram as portas do conhecimento, da cultura, ou da simples informação, a milhões de pessoas que nem precisam saber ler. O consumo é massificado, mas a produção de conteúdo se mantém elitizada, restrita a poucos com dinheiro, cultura e domínio tecnológico para emitir suas mensagens.

O quadro começa a virar com a internet e dá um salto com os blogs. O site Technorati , uma espécie de Google dos blogs, conta hoje com 57,4 milhões de blogs. Há um ano, eram 19,6 milhões. Ou seja, de um ano para cá, o número de blogs ao alcance deste mecanismo de busca aumentou quase 3 vezes! Na época, a estimativa era de que o número dobrasse a cada 5 meses e, portanto, a previsão era de que em 2009, exatamente no mês de abril, houvesse um blog para cada habitante da Terra.

Claro, não pretendemos ser simplistas a ponto de afirmar que basta o acesso a um blog para democratizar a comunicação. Ainda é preciso dinheiro e domínio da tecnologia para ser um comunicador. Mas, mesmo estes dois aspectos, deixam a cada dia de ser obstáculos. O investimento individual em equipamentos para a publicação de conteúdo, seja em vídeo, foto ou texto, está cada vez menor. Hoje basta um celular para isso. No Brasil, são quase 96 milhões de aparelhos, sendo que o mais básico permite a transmissão de mensagens em pelo menos duas mídias: texto e voz. A abrangência social deste equipamento é expressa por um dado significativo: 80% dos aparelhos são pré-pagos.

Os celulares são usados, tanto por jornalistas profissionais quanto pelo cidadão, para acessar um veículo de comunicação como rádio, jornal ou televisão; podem ser usados para abastecer sites com mensagens de texto e imagens. É cada vez mais comum a exibição de imagens captadas através de celulares, por populares, em noticiários de televisão. Os exemplos mais recentes foram os atentados em Londres e em Madri, o terremoto no Paquistão. No último festival de cinema do Rio, uma categoria de filmes estreiou: a pocket movies, ou filmes de bolso, feitos com imagens captadas por telefones móveis.

Para finalizar, voltemos à nossas linhas. Mais exatamente quando a linha do tempo da tecnologia da comunicação se encontra com a linha do acesso aos meios de emissão e produção de mensagens. Um pouquinho depois daquele ponto microscópico onde começa a história da internet, quando surgem os blogs e a possibilidade de uso de um simples telefone celular para a produção de conteúdo. Agora é preciso estender o gráfico para além de uma folha de papel, de preferência riscando a parede para concluir a linha vertical que mostra quantas pessoas podem se manifestar, não importando onde e quando esteja o receptor da mensagem. Temos um risco na parede. Coincidentemente, como tudo começou, e com outro ponto em comum: hoje, também, para se manifestar à sociedade, não é preciso saber ler ou escrever.


*Ângelo Ribeiro é professor de telejornalismo e mestre em mídia e conhecimento pela UFSC.

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