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Matéria 3310, publicada em 14/11/2006.


A poesia e o jornalismo

Samuel Lima*


É domingo, manhã de 12 de novembro de 2006. Na tela da TV Globo (programa “Esporte Espetacular”), Tuplet Seabra de Vasconcelos, brasileiro, nascido há 94 anos em Itaocara, noroeste fluminense, acaba de cruzar a linha de chegada de mais uma prova do 13º Campeonato Sul-Americano de Atletismo Master, realizado de 3 a 11 de novembro no Rio de Janeiro. Cerca de 399 atletas, de 13 categorias (pré-veteranos, entre 30 e 34, e veteranos de 35 a 95 anos) representaram o Brasil na competição. O atleta disputou os 800, 1.500, 5 mil e 10 mil metros.

Resgato essa história singular de Tuplet Vasconcelos, reportada com brilho, emoção e informação de qualidade pelo jornalista Régis Rösing, para refletir sobre a grandeza em potencial que a atividade jornalística encerra. Quando se discute, criticamente, o papel da mídia na sociedade contemporânea não se pretende jogar fora “o bebê, a banheira e água”. Há que se refletir sobre a potencialidade, na perspectiva de entender a crise do jornalismo contemporâneo em duas dimensões elementares: forma de conhecimento e “espelho” da cidadania.

O jornalista e pesquisador Adelmo Genro Filho, precocemente falecido aos 38 anos, escreveu um livro extraordinário que só agora começa a chamar atenção da comunidade científica: “O segredo da pirâmide – para uma teoria marxista do jornalismo”. Nesta obra, Genro Filho defende que “o jornalismo é uma forma social de conhecimento, mas não de um conhecimento qualquer e sim de um conhecimento cristalizado no singular”. Neste caso, o “singular” é a dimensão humana por excelência, a que confere identidade instantânea aos leitores, telespectadores, ouvintes e internautas.

Genro Filho nos legou ainda uma compreensão lapidar: “O Jornalismo precisa respeitar a sensibilidade, a inteligência e a curiosidade do leitor (público). A expectativa que o leitor tem é de uma compreensão dos fenômenos tal qual eles ocorrem”. Quando se desvia desse caminho, a imprensa se afasta do interesse público, desserve à democracia, vira um inócuo “partido da mídia”.

Para além da possível beleza, gerada pelos vetores da criatividade e da ousadia, a questão passa pela concepção hegemônica daqueles que respondem, editoral e comercialmente, pelas empresas do setor. Sem valorização profissional (salarial e estrutural), a democratização da mídia e uma aposta forte na reportagem como gênero de excelência, o jornalismo contemporâneo parece estar fadado a uma crise sem fim, até o limite do limite do próprio negócio: a perda total de sua credibilidade.

Tuplet Vasconcelos não tinha concorrentes, em sua categoria, no campeonato Sul-Americano de atletismo. Na pista, uma lição de vida cruzava a linha de chegada. Ele promete ao repórter: “Vou competir até os 100 anos”. A essa figura humana de rara estirpe, dedico os versos do genial poeta T. S. Eliot: “Nenhum vento de inverno impertinente vai gelar/ Nenhum sol de trópico rabugento vai fazer murchar/ As rosas no rosal que é nosso que é só nosso”. Que “seu” Tuplet continue correndo e iluminando o caminho da vida...


Samuel Lima é doutor em mídia e teoria do conhecimento pela UFSC e coordenador do curso de jornalismo do Bom Jesus/ Ielusc.

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