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Matéria 2946, publicada em 13/10/2006.


Sem receita de maionese nem teoria da conspiração

Samuel Pantoja Lima*

Em sua “maionese conspiratória”, o jornalista Mauro Malin faz um esforço hercúleo de retórica para desqualificar os “neo-críticos” da mídia, especialmente os leitores do OI, que têm comentado com muita ênfase a insuficiência da crítica dos eminentes observadores, salvo raríssimas exceções.

Sua “navegação” parte de uma “premissa-embuste”: de que a mídia é “uma instância de poder não eleita”. Por isso, pode se comportar naturalmente como um “partido político”, à revelia da sociedade, acima do bem e do mal. Ora, meu caro, é exatamente por ser um serviço público (no caso das emissoras de radiodifusão, concessões públicas) que a mídia deveria pautar seu comportamento por outros parâmetros, para além do negócio: democracia, equilíbrio de enquadramento, honestidade e pluralidade de fontes.

Num rápido olhar de “observador neófito”, que aprendeu a exercitar essa visão com caras como Malin, que merece todo nosso respeito, posso afirmar que a imprensa – como instituição – passou longe, muito longe disso. À exceção de CartaCapital, que declarou seu “voto” em Lula, a grande mídia impressa e eletrônica, em geral, fez uma opção de “produção de sentidos” de via única, sempre a alimentar a imagem de uma candidatura na corrida presidencial, no caso a do ex-governador Geraldo Alckmin. Isto é fato. Ponto. Os dados publicados pelo Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública sobre a cobertura das eleições 2006 atestam isso.

Independentemente das desventuras, equívocos e outras “lambanças” dos petistas, não lembro, nestes últimos 16 anos de ter presenciado algo similar. A utilização das fotos ilegalmente obtidas por uma fonte interessadíssima no jogo (que pediu publicação no JN para “compensar” a colaboração, como relatou o jornalista Luiz Carlos Azenha, em seu blog Vi o mundo, na “boca” da eleição se revelou uma arma mortal na trama urdida pelo “dossiegate”: cobertura embalada pelo combate ao candidato-presidente, “vitaminada” pela sua ausência no debate (não lembro da mesma mídia “tugindo” ou “mugindo” contra a ausência de FHC, em 1998) e no ato final, a divulgação das fotos repassadas por um fonte “credenciada” (na opinião do observador-mor, Alberto Dines). Aliás, bem lembrado pelo leitor deste OI, sr. Jorge Xavier: o episódio que envolve a participação do delegado Edmilson Bruno, rapidamente “sumiu” das telas e páginas da mídia. Ficou César Tralli e sua patética entrevista a perguntar se Bruno recebera algum dinheiro pela divulgação...

Comparando o incomparável...

Outro equívoco profundo da análise de Malin é comparar a importância e impacto social da mídia em tempos históricos tão distintos. Tanto pelo acesso da população às fontes de informação quanto pelo “tamanho do bumbo da mídia” contemporânea, não precisa fazer muito esforço intelectual para constatar a abissal diferença entre os tempos de JK, Getúlio, Lacerda e os dias de hoje. Nem anjos, tampouco demônios, os “barões” da mídia são empresários que defendem seus interesses imediatos (time is money), e de maneira aguerrida seus candidatos. Na disputa Lula x Serra, em 2002, o Estadão teve pelo menos a decência de se posicionar publicamente.

É inegável que o conteúdo noticioso esteve e está cada vez mais “contaminado” por essa escolha política. Não dá para reduzir aos casos VEJA (que vem de longo tempo achincalhando, inventando factóides, defendendo sozinha o “impeachment” de Lula, produzindo capas grosseiras – que não faria a outro presidente de origem social diferente) e da “fiteira” ISTOÉ. Como vamos chamar os repórteres e veículos que “compraram” as fotos do delegado Bruno para publicar, sabendo tratar-se de uma farsa (o suposto “roubo” como álibi, desmentido pelo mesmo servidor federal dias depois)? Que tipo “jornalismo” praticaram coleguinhas, veículos e seus donos? Qualquer que seja o grau de comprometimento e ilegalidade praticado pelos “aloprados” do PT ou sua cúpula dirigente no caso do dossiê Vedoin, este gesto da imprensa a coloca na mesma condição: a de fora-da-lei. Ou valeria a máxima: aos amigos tudo, aos inimigos as penas da lei? Com a palavra os donos do “Diário de Pernambuco” que estampou em sua capa “Dinheiro sujo do PT”. Isento e eticamente defensável, não?

Bloqueio de sentidos...

Sua receita de “doze pontos para não viajar na maionese” se soma aos “conselhos” do observador-mor quando defendeu a publicação das fotos, desconsiderando os bastidores do repasse do material pelo delegado da PF aos repórteres. Acho obtuso que gente qualificada para observar e criticar a mídia passe a dar “receita” de bolo aos leitores e neo-observadores a torto e a direito. É um tipo de postura de quem talvez nos considere imbecis, de antemão.

Quanto à referência ao chamado “mensalão”, que inaugurou com força de queda rio amazônico a temporada dos julgamentos sumários da mídia, sua existência, até este momento (dia 4 de outubro, começo da noite), nunca foi provada documentalmente. A mídia formulou a teoria do mensalão, a partir da entrevista de Roberto Jefferson à Folha de S. Paulo. O ex-deputado foi cassado e não conseguiu apresentar uma prova cabal que envolvesse, inclusive, o atual presidente da República no caso. Aqui entra um elemento fundamental de sua análise: a falta de investigação, esforço de reportagem, prática do bom jornalismo, nos grandes veículos de comunicação. A mídia brasileira se apequenou e vive, em regra geral, das “migalhas” dos investigadores das CPIs, fontes oficiais sempre ligadas a esquemas e projetos de poder muito específicos.

Lembro, por exemplo, de uma “bombástica” revelação do deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ), que cruzou dados da entrada e saída de todo tipo de gente no prédio do Brasília Shopping, no qual funcionava a agência do Banco Rural. A “denúncia” atingiu gente simples, diaristas de deputados que tinham acessado o banco para sacar seus dinheiros e ninguém se retratou por isso. Até parlamentares que nada tinham a ver com o “mensalão” foram arrolados. Não vi nenhuma auto-crítica da imprensa sobre isso.

Desqualificar os outros olhares, tachando-os de partidários da “teoria da conspiração” não acrescenta nada ao debate. O que me parece mais interessante destacar é que nunca se discutiu, com tanta intensidade, o papel que a mídia cumpre ou deveria cumprir no contexto social. Evidentemente, devemos muito disso ao OI. No entanto, alguns eminentes observadores estão com um bloqueio de alguns sentidos fundamentais (visão, audição, sensibilidades...) e insistem em ignorar ou, no limite, menosprezar o conteúdo interessantíssimo que seus leitores têm postado, à guisa de comentários.


Samuel Pantoja Lima, doutor em mídia e teoria do conhecimento, é diretor do curso de comunicação social do Ielusc. Este artigo foi publicado no Observatório da Imprensa.

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