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Matéria 2601, publicada em 14/09/2006.


Imperícia médica marcou a vida de Rafael

Carolina Burg Winter

Rafael Zimermann tem paralisia cerebral. Assim como Sanifer, ele começou a freqüentar a Apae para se socializar com outros portadores do mesmo problema. Aos 26 anos, ele tem dependência total, mas total compreensão das coisas, disse a mãe Eunice Zimermann.

Aos 47 anos ela resolveu trabalhar na Apae para compartilhar os cuidados com o filho e outras “crianças”. A sala foi escolhida por ela, e, claro, a patologia da paralisia cerebral lhe interessava mais.

– Esse trabalho é difícil, você tem de ter muita sensibilidade, tem de compreendê-los, por isso vim me dedicar a essas crianças.

A paralisia cerebral não é contagiosa. É uma lesão de alguma parte do cérebro, provocada, muitas vezes, pela falta de oxigenação nas células cerebrais. Acontece durante a gestação, no parto ou após o nascimento. Desde que a lesão não tenha afetado áreas do cérebro responsáveis pelo pensamento e pela memória, o portador tem inteligência normal. É uma doença que compromete os movimentos e a postura e não é progressiva. A incidência da paralisia cerebral não tem modificado nos últimos anos. Segundo os últimos dados publicados na Revista Brasileira de Anestesiologia, em dezembro de 2005, em torno de dois novos casos surgem para um grupo de mil nascidos vivos nos países desenvolvidos.

Apesar da aparência saudável, Rafael é um paciente de risco. Geralmente esses pacientes têm hérnia de hiato, gastrite, refluxo, e neurologicamente não são evoluídos para ter autocontrole. Por isso, precisam de atenção a todo instante.

Pelos lábios de Eunice as recordações são transmitidas com entusiasmo, embora tenha um aspecto cansado. O caso do seu filho foi percebido logo no nascimento. Rafael foi saudável durante toda a gestação, mas há 26 anos o ultra-som não apresentava detalhes como hoje em dia, em que até retratam o feto em terceira dimensão. Ao nascer, o pescoço estava enrolado no cordão umbilical. O procedimento do parto normal foi completado e, ao desvinculá-lo da mãe, a respiração tardou. Por imperícia médica, Rafael acabou sofrendo paralisia cerebral.

– Nossa casa passou a viver em função do Rafael. Já tínhamos uma filha, que cresceu mais sozinha. A partir do nascimento dele até os 3 anos corremos o país inteiro atrás de tratamentos.

Chegou um ponto em que Rafael não podia mais ficar de um lado para o outro tentando algo novo. Ele começou a ficar doente e vulnerável. Tosse e gripe se tornaram freqüentes. Os pais então decidiram parar em 1988. Aceitaram o problema e resolveram conhecer mais sobre a doença para cuidar bem do próprio filho. Eunice pôde ter empregada para cuidar da casa e, como esposa, sempre esteve ao lado do marido quando passava os 15 dias ajudando a cuidar do filho (nos outros 15, viajava como representante comercial). O crescimento de Rafael foi acompanhado inteiramente pela mãe. Ela aprendeu a dirigir, tirou carteira e comprou um carro para as necessidades do filho. Tornou-se a fisioterapeuta, a psicóloga, o passatempo do filho. Ainda incentivou a filha mais velha a estudar medicina e hoje a moça também é casada com um médico. Eunice se diz forte, valente. De fato, carregou o menino para o carro, para o quarto, para a piscina, e o segurou sempre.

Segundo Eunice, a família inteira hoje tem capacidade de subsidiá-lo em tudo. Mesmo com todo amor ao filho, sua vida recomeçou quando passou a trabalhar fora de casa, há cinco anos. Junto, iniciou uma faculdade de pedagogia e voltou a ter contato com o mundo exterior. Da mesma forma, proporcionou ao filho também sair do mundinho de sua casa.

– Hoje, sinceramente, me sinto cansada. Por isso sinto que vou embora antes do Rafael. Não sinto medo porque sei que ele estará em boas mãos, apenas não gostaria de fazê-lo sentir saudade. Não somos nós que carregamos o Rafael, ele é quem nos carrega hoje. Para qualquer rumo.


Trabalho produzido para a disciplina de Redação Jornalística 6, ministrada pelo professor Jacques Mick no primeiro semestre de 2006

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