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Matéria 2597, publicada em 13/09/2006.


:Álbum de família

Sanifer no colo do pai: rejeição da mãe agravou problema

Dias contados com semente de girassol

Carolina Burg Winter


Sanifer Morais Aguiar é assim tão importante quanto Beatriz para o pai e os irmãos. A mãe a abandonou com seis meses de vida, deixando-a junto de dois irmãos, hoje com 12 e 9 anos de idade. Os cuidados serão permanentes, até que Sanifer feche os olhos castanhos e o pequeno sorriso para sempre. A criança de 8 anos é especial, recebe cuidados do pai todos os minutos contáveis no relógio. De 12 em 12 horas, às 6 em ponto, ela toma uma dose de Gardenal. Sanifer sofre de hidrocefalia congênita, presente desde o nascimento. O caso dela não surgiu por hereditariedade, como pode ocorrer para outros. A “água na cabeça”, como fala Reinaldo Alves Aguiar, 35 anos, pai de Sanifer, é o acúmulo anormal e excessivo de líquido dentro do cérebro. O normal é ter esse líquido fluido para fora do cérebro até a medula espinhal, e quando isso não acontece, por alguma obstrução, ele se acumula nos ventrículos do cérebro, causando inchaço. Com o tempo, bebês e crianças passam a ter a cabeça alargada e não vivem por muitos anos.

Divorciado e sem apoio para cuidar dos filhos, Reinaldo parou de trabalhar como ajudante de pedreiro e hoje tem sua rotina programada pelas necessidades de Sanifer. Todas as manhãs ele a acompanha até a escola da Apae. O ônibus está pontualmente em frente à casa da família Aguiar, no bairro Morro do Meio, distante mais de dez quilômetros da escola. Lá, Reinaldo ajuda as fisioterapeutas, alimenta a filha e acaba sendo voluntário para outras crianças também. O maior desafio ao chegar à escola foi socializar a filha: e toda vez que ela chorava, ele chorava junto. Com o tempo ela foi aceitando conviver com pessoas diferentes, aprendeu a sorrir e a expressar seus sentimentos. Graças a essa convivência e com a ajuda da escola, Reinaldo também aprendeu a interpretar a filha.

– Desde os seis meses até começar a freqüentar a escola, há dois anos, minha filha teve assistência pela metade, porque eu não sabia entendê-la totalmente. Era doloroso.

Na pequena casa de madeira, cinco cômodos abrigam os filhos de Reinaldo e o pai. Lá, homens com força de vontade vão manter a menina saudável e viva pelo maior tempo que puderem. Nas quintas-feiras à tarde ela faz equoterapia e o irmão menor também acompanha os exercícios. Tudo é gratuito, depois de muito esforço para vencer a burocracia e confirmar a necessidade da filha.

Há oito anos, na Maternidade Darcy Vargas, em Joinville, a ex-esposa de Reinaldo recebeu a notícia dos médicos. Em pouco tempo ela ficou estressada e rejeitou Sanifer. Ele trabalhava e não pôde estar no hospital quando os médicos confirmaram o diagnóstico. Sem citar o nome da ex-mulher, ele conta que ela o culpa por não ter estado ao seu lado naquele momento. As lembranças marcam profundamente esse pai que tem toda a responsabilidade sobre o futuro dos filhos. Hoje ele acredita já ter dado a educação necessária para os mais velhos: ensinou-lhes a serem independentes para assim deixá-lo cuidando de Sanifer. No dia-a-dia a pouca atenção causou problemas na escola do mais novo, Jonatan.

Além do sustento do pai, Reinaldo recebe uma pensão da ex-esposa e ajuda da prefeitura. Passado um ano da última internação da menina para a retirada de uma válvula colocada no cérebro aos 5 anos, o pai vive ainda mais apreensivo.

– A gente fica preocupado porque cuida tanto e dizem que eles duram no máximo até os 9 anos. Mas é isso, vou lutar até quando Deus quiser.

A válvula drenava o excesso de líquido, como uma nova via, amenizando a pressão e prevenindo o agravamento da condição. Entretanto, não pode curar um paciente com esta patologia, e como não é um procedimento perfeito, pode quebrar, coagular ou infeccionar, como no caso de Sanifer. Para retirar a válvula, ela foi internada na unidade de terapia intensiva (UTI) no Hospital Municipal São José. Foi permitido ao pai passar cinco minutos, duas vezes ao dia, ao lado da filha internada. No fim do terceiro dia fizeram a extração.

– O médico chegou pra mim e disse que dali ela não sairia com vida. Olhei bem pra ele e disse: em primeiro lugar, tu não é Deus pra dizer uma coisa dessa pra mim. Tenho confiança em Deus lá em cima e não em ti. Tu és um simples merda que nem eu. Estava nervoso, falei assim mesmo.

O previsto para a recuperação era um mês. Reinaldo conseguiu levar a filha de volta para casa ao final de dez dias contados com semente de girassol — a semente lhe dá sorte e lhe acompanha a todos os lugares, dentro da carteira.


Trabalho produzido para a oficina de criação literária, ministrada pela professora Nara Marques em julho de 2006

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