O que vem à cabeça quando se pensa em circo? Quantas fantasias se criam ao assistir um espetáculo? A magia do circo segue inundando de ludismo os cansados, os estressados, os felizes, os sensíveis, e, é claro, os inocentes. Mas quem assiste ao espetáculo e vai embora não pode sequer imaginar quanta coisa acontece além do picadeiro.
Desde 1847, a família Stevanovich, de origem iugoslava, viaja numa cidade de lona. O Le Cirque, como é conhecido hoje, foi renovado em 1999. Já é a quarta geração da família que está administrando o circo. Começou como uma família e se tornou uma grande empresa.
Robert Stevanovich, bisneto do fundador e atual dono do Le Cirque, cuida de tudo com a ajuda da mãe e de dois irmãos. Ele tem 37 anos e nasceu no circo, por acaso, no Rio de Janeiro. Na última quarta-feira, parou o que estava fazendo para contar um pouco da sua história.
O circo viaja pelo Brasil, principalmente nas capitais, e também pela América do Sul até o Equador. Ficam de dois a três meses em cada cidade e passam por, em média, cinco cidades por ano. O intervalo para desmontar a lona, viajar, montar novamente e abrir as portas para o público, é de cinco dias. Salvo viagens mais longas.
Os funcionários são contratados de acordo com a lei trabalhista. O circo tem CNPJ, tem alvará e os demais documentos exigidos para qualquer empresa. O Le Cirque possui 45 veículos e, entre esses, 22 carretas. Robert afirma que seria muito mais lucrativo ter uma transportadora, mas ama o circo e acredita que vale a pena continuar se esforçando para mantê-lo vivo.
Os gastos são muitos. Só a “família” circense chega a 95 funcionários fixos, que viajam juntos. Além disso, certas funções são preenchidas por pessoas contratadas na cidade onde ocorrem os espetáculos. Em Joinville, por exemplo, as meninas da portaria têm contrato temporário. Robert enumera alguns itens de gasto: luz, água, aluguel do terreno (R$ 20 mil), comida dos animais, ISS (R$ 5 mil), e funcionários. “Só para você ter uma idéia, a lona custa 50 mil reais”, conta Robert.
É no período de férias que os funcionários que têm família fora do circo podem matar a saudade dos parentes. As crianças estudam normalmente, e só enfrentam algumas dificuldades quando troca o idioma — o que para Robert é positivo, porque todos ali sabem falar, pelo menos, português e espanhol.
Para trabalhar no espetáculo, o circo admite apenas os que já sabem fazer alguma coisa. Se quiserem aprender, precisam ir para uma escola de circo. O palhaço do Le Cirque, por exemplo, é formado numa escola da França, e antes disso era menino de rua. Os personagens mais tradicionais, além do palhaço, continuam sendo o mágico e o malabarista.
Os animais
A questão da utilização de animais exóticos traz problemas para o circo. De vez em quando acontece de algum cidadão querer questionar se todos esses bichos sofrem ou não maus tratos.
O Le Cirque tem 17 animais de cativeiro, todos registrados no Ibama. Entre eles, elefantes, girafas, zebras, camelos, pôneis, um hipopótamo e um rinoceronte branco. Um dos elefantes tem 44 anos. Robert lembra que quando era pequeno, já convivia com ele e, por isso, o respeita muito. “O pessoal cria uma imagem do circo, pensam que a gente maltrata os animais, nem dá comida”, conta. Eles adestram os animais desde pequenos.
Robert insiste em dizer que trata bem os bichos: “Temos veterinários, os elefantes ficam soltos pela manhã, o hipopótamo tem uma banheira para entrar e sair quando bem entender”.
A discriminação
A magia do circo não morreu, mas anda mal das pernas. Os gastos, a falta de incentivo político-econômico, o público que acha 15 reais muito caro para assistir ao espetáculo, tornam dura a sobrevivência da estrutura do circo. A expressão “virou circo”, popularmente conhecida, ofende Robert. E logo se nota o seu desconforto com a discriminação.
O Le Cirque tem 2.000 lugares, e normalmente, tem de 200 a 300 pessoas assistindo aos espetáculos. Fica difícil para a família Stevanovich manter o circo, mas eles afirmam que fazem o que podem. Acima de todos esses problemas, os 95 membros da “família” são movidos pela magia, que está muito além do picadeiro.