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Matéria 2027, publicada em 18/04/2006.


O impeachment da imprensa

Samuel Pantoja Lima

“A imprensa somente revela fatos, não toma partido; não é responsável por acontecimentos, apenas os registra. Esse dogma jornalístico jamais soou tão irreal como depois do 11 de setembro (de 2001)”. São palavras do jornalista Carlos Dornelles (na obra “Deus é inocente – a imprensa não”), analisando esse “olhar superior” que configura a atuação da mídia hoje.

Resgato Dorneles para refletir sobre a defesa do impeachment do presidente Lula, em editorial publicado na edição de 13/04/06 de A Notícia (“Adiando o impeachment”). Agindo na contramão de sua função social, o jornal assume a um só tempo o papel de promotor, júri e juiz de uma sentença ainda não proferida pelas instâncias competentes. Qual o limite para atuação da mídia?

Ao assumir o papel de “justiceiro”, a imprensa presta um desserviço à sociedade e à democracia. Não seria o caso de pedir o impeachment de empresas de comunicação que optam pela afronta à ética, aos direitos fundamentais da pessoa humana, à banalização da notícia pela via do sensacionalismo estúpido e “espetacular”?

No texto lê-se que o relatório do procurador-geral da República “indiciou 40 pessoas pelo mensalão, entre eles dois ex-ministros e toda a cúpula do PT (grifo meu), e o pedido de impeachment do presidente Lula só não vem porque a oposição teme que a proposição não evolua”. Ora, “indiciar” significa solicitar à instância competente da justiça a abertura de um inquérito, nos termos da lei, para aferir o grau de culpa ou não desses cidadãos. Ao judiciário cabe a sentença final sobre o caso, jamais à imprensa. Ademais, a menção a “toda a cúpula” do partido governista, independentemente de suas desventuras e descaminhos, é falsa: nem todos os dirigentes do Partido dos Trabalhadores estão envolvidos no “mensalão”.

Extrapolando mais ainda o seu papel, o jornal critica a “fragilidade da oposição” que “inviabiliza uma atitude mais conseqüente e responsável” (pedir o impeachment). O periódico joinvilense não está sozinho nesta desventura: a revista Veja já defendeu em reportagem de capa o impedimento do atual presidente, comportando-se como partido político. Seu apelo publicitário não teve eco na opinião pública. Soou ridículo.

O texto, por fim, é claro quando aponta seu incômodo: a perspectiva de reeleição do atual presidente da República. Exatamente por isso defende que “o processo de afastamento, portanto, é mais do que legítimo — é necessário”, supostamente para “fazer funcionar as instituições do País”.

É estarrecedor que um jornal plural e democrático como A Notícia faça o papel de partido político, promotor, júri e juiz de um processo complexo e inconcluso para pedir, em nome de uma obscura “necessidade” (de quem, afinal?), o impeachment de um presidente da República.

Volto à crítica cristalina de Carlos Dornelles: “Seja qual for o canto do planeta, a imprensa não consegue se desvencilhar do poder político, da força econômica, da pressão patriótica, e serve como alicerce para objetivos definidos bem longe das redações”. Seria esse o caso de A Notícia? Resta-nos rezar para não cair no tribunal da mídia, no qual todo mundo é culpado até prova em contrário — e isto rima com fascismo, nazismo e todas as formas de totalitarismo.


Samuel Pantoja Lima, doutor em mídia e teoria do conhecimento, é diretor do curso de comunicação social do Ielusc

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