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Matéria 2022, publicada em 12/04/2006.


: Izani Mustafá

Cony em noite de palestra

Aos 80 anos, imortal da ABL comenta sobre efemeridade do jornalismo

Letícia Caroline e Lucas Balduino


O escritor, cronista e jornalista Carlos Heitor Cony protagonizou na noite de 11 de abril, terça-feira, no auditório da Ipreville, o Encontro com os Grandes Nomes da Literatura, evento proporcionado pelo Circuito Catarinense de Literatura — que encerra nesta quarta-feira. Cony palestrou para jornalistas, escritores, professores, alunos e outras pessoas que se sentiam atraídas pelo tema. Após o discurso inicial, a palavra foi passada para os presentes, que poderiam questionar o ocupante da cadeira número 3 da ABL (Academia Brasileira de Letras).

Cony, que não deixou de responder pergunta alguma do público, permaneceu das 19h15 às 21h06 sentado à esquerda do mediador, Sílvio Melatti. Além dos dois, o terceiro integrante da banca era o jornalista Adauto Vieira, que, trajado com a camiseta da organização do evento, permaneceu calado até o fim da reunião, quando enfim compartilhou seu sentimento de admiração ao escritor com o público.

Vestido de uma camisa social cor-de-chumbo, calça creme — segurada por um suspensório preto com losangos amarelos bordados — combinando com as meias da mesma cor e o sapato bege, que transmitia sensação de conforto, Cony, antes de iniciar sua fala, observava as quase 90 cadeiras sendo ocupadas. Os últimos lugares só foram preenchidos após meia hora do início da sua fala, mas desde o princípio havia algumas pessoas sentadas no chão do fundo da sala.

No discurso inicial do autor de quinze romances, desde 1958, foi abordado o tema “literatura e jornalismo”. Cony discorreu sobre o assunto, contando também outras histórias que vinham em sua cabeça, por mais de 40 minutos quase ininterruptos, revelando a predileção pela literatura. “Na literatura eu me refugio da manipulação que há no jornalismo”, destacou ele, comentando a influência dos poderosos sobre a imprensa. Ainda exaltando a arte de escrever, ressaltou: “Ela é a forma mais segura de descrever a história do mundo. As coisas mudam, a literatura fica”.

Citando as palavras do tcheco Franz Kafka, Cony comparou a elaboração de um jornal com o funcionamento de um trem: “Pode ser que nem todos os lugares de um vagão estejam ocupados, mas ele tem que respeitar o horário e partir mesmo que esteja vazio”. É então que cita a importância das crônicas para um jornal: elas servem para cobrir os espaços vazios da edição.

Por falar em trem, o auditório, que só foi aberto para os visitantes após as 19h05, assemelhava-se a um vagão. A sala era estreita e comprida, permitindo que se sentassem no máximo sete pessoas por fila (dois lados, separados por um corredor, um com quatro assentos e o outro com três). No teto branco, oito lâmpadas fluorescentes — que só deixavam os componentes da banca à meia-luz — e seis caixas de som, que permitiam a quase todos ouvir as palavras ditas ao microfone.

Para encerrar a primeira parte da palestra, Cony revelou seu desencanto com a política e se caracterizou como “anarquista triste e inofensivo”. O imortalizado pela ABL, em cena de melancolia e com semblante angustiado, concluiu: “Estou em uma situação dolorosa. Sinto que não tenho muito tempo de vida pela frente”.

A entrevista

Depois de falar por quase 45 minutos, com um sotaque carioca carregado, Cony finaliza a palestra. É chegada a hora das perguntas. Ele pega o copo de água, antes intocado e, depois de lutar para abri-lo, mata a sede e escuta o mediador.

Sílvio Melatti, responsável pela mediação do encontro, primeiro expressou seu sentimento em participar da banca. “Queria estar na platéia. Lá poderia fazer mais perguntas”, lamentou o professor do Ielusc. E para abrir o debate, questionou o escritor sobre sua relação com a mãe, já que ela pouco aparecera no livro “Quase Memória”, que marcou seu retorno à literatura, depois de 23 anos sem publicar ficção.

Ouvindo a menção à mãe, Cony ligeiramente baixou a cabeça. Parecia que ia chorar. Mas quando chegou a hora de responder, levantou rápido e falou firmemente, sem nenhum vestígio de lágrimas nos olhos. Ele explicou que na literatura a figura da mãe era muito valorizada, por isso resolveu fazer um livro enfatizando o que o pai significou na sua vida. Com um sorriso discreto, confessou que o pai só o fez passar vergonha. “Foi até um alívio quando ele morreu. Mas no fundo era um grande homem”. Nessa hora, o microfone, assustadoramente, cai, como se o pai estivesse ficado bravo com as palavras do filho. “Viu, foi só falar dele que o microfone caiu”, observou Carlos Heitor.

Os estudantes de jornalismo foram os que mais perguntaram. A eles se juntaram escritores joinvilenses e outras pessoas. Alguns aproveitavam para expressar a admiração que sentiam pelo imortal. A maioria das curiosidades era em relação aos livros e ao processo de criação. “Quando o tanque está cheio eu boto pra fora”, afirmou Cony, para explicar como produz seus livros.

Entre piadas e brincadeiras, o jornalista e escritor expressou sua opinião sobre religião e internet. E ao falar da Academia Brasileira de Letras, soltou a seguinte afirmação: “Desde a eleição de Paulo Coelho, não voto mais nada na Academia”. Categoriamente, explicou que não tem nada contra o autor de “Diário de um Mago”, apenas não sabia o que ele estava fazendo lá dentro.

As 20h48, com o rosto apoiado nas mãos e com um ar aborrecido, ele olha para o mediador e diz: “Acho que já tá bom, a gente pode parar”. Evidente que muitos ainda queriam perguntar, aproveitar ao máximo a presença do velho escritor. Mas, para alguém de 80 anos deve ser difícil enfrentar viagens e palestras. Por isso, o público teve que se contentar com o encontro de quase duas horas.

Para finalizar, o presidente de honra da Feira do Livro, Adauto Vieira, expressou a emoção que sentia ao encontrar Cony. “Foram 40 anos de espera”, exclamou ele. Nessa hora, a sala gelada já estava mais vazia. Os que restaram, aproveitaram para assediar o escritor. Em pé, no meio do corredor, o “anarquista triste e inofensivo” posava para fotos com os fãs mais calorosos.

Enquanto isso, no hall de entrada, outras pessoas se aglomeravam ao redor da mesa que continha as obras de Cony. Já na entrada do prédio da Ipreville, duas senhoras elegantemente vestidas dialogavam sobre a noite. Uma delas, com as unhas pintadas de vermelho, reclamava que o som estava baixo e não pôde entender muito do que foi dito. A outra, de baixa estatura, argumentava que o ar gelado da sala poderia fazer mal à saúde. Mas a noite intelectual acabou. O imortal já deve estar em seu quarto de hotel, descansando o peso dos 80 anos de idade.

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