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Matéria 1789, publicada em 15/03/2006.


:Charlene Corrêa

A estudante Bruna em Brian Head (EUA)

Trabalho no exterior: uma opção nas férias

Bruna Nicolao

Conhecida como o pico das montanhas vermelhas, Brian Head (Utah, Estados Unidos) é uma pequena cidade turística que no inverno suporta o frio de 20º celsius negativos e o movimento de turistas para a prática do snowboard e esqui. Os pinheiros estão por toda parte, todos cobertos de flocos de neve. Na brancura de Brian Head, elevam-se pontos de confortáveis e aquecidos hotéis lotados de turistas de todos os Estados Unidos, lugares da Europa e da América Latina.

A vista da janela do hotel Cedar Breaks Lodge & Spa é belíssima. Foram três dias de estada no hotel até começar o trabalho de housekeeping (camareira) através de um programa de experiência no exterior para universitários. A sensação de caminhar embaixo dos flocos de neve que caíam é incrível. O frio desaparece quando nossos olhos focam a beleza de Brian Head no inverno. As montanhas vermelhas cobertas de neve são vistas a 30 quilômetros dali, em Cedar City, de 40 mil habitantes.

Cedar City é uma cidade pacata, tranqüila e de comunidade ligada aos costumes da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias (Igreja de Mórmons). Morei em Cedar. Uma casa como todas as outras de lá. De madeira e feitas internamente com material de isopor para isolar a temperatura. Calefação ligada 24 horas. Quando eu arriscava enfrentar o frio de zero graus nas ruas de Cedar, não via uma alma andando. Todos têm carro e dificilmente saem de suas casas para andar na neve.

Então eu e a brasileira Charlene Corrêa, 19 anos, com quem morava, pensamos ser necessário e mais cômodo comprar um carro durante os três meses de intercâmbio. Umas olhadas no jornal, alguns telefonemas para carros baratos e, pronto! Em duas semanas um Ford Bronco 1984 estava em nossa garagem pelo custo de 500 dólares. A confiança que os antigos proprietários depositaram em nós, intercambistas, foi espantosa. Não se preocuparam se iríamos realmente registrar o carro em nosso nome. O veículo pode ser registrado rapidamente pagando-se uma pequena taxa que varia de acordo com o tipo de carro. O Bronco teve um custo de 80 dólares de registro. Entregaram novas placas e pedimos a dois brasileiros intercambistas que as aparafusassem no nosso carro.

São oito horas de trabalho como housekeeping no hotel Cedar Breaks Lodge & Spa. Seis e meia da manhã, a van passa no condomínio Black Rock com o objetivo de buscar os intercambistas para um dia longo de trabalho. Horário de retorno apenas às 17 horas, já escuro. Nove brasileiros e 16 peruanos. Todos saíram de seus países para realizar o intercâmbio de trabalho nos Estados Unidos por três meses. Para muitos, uma festa. Para outros, um sonho de ganhar dinheiro e viajar para conhecer o país.

É absurdo o número de estrangeiros que acabam ficando pelos Estados Unidos. É espantosa a invasão de mexicanos que largam seus lares para ganharem a vida nesse país de primeiro mundo. Realizam atividades às quais os americanos não se sujeitam. A limpeza e a manutenção do hotel estão nas mãos dos latinos. O salário é bom se comparado ao do Brasil. Muito maior que o piso salarial de um jornalista, assim dizendo. Essa é a tentação de muitos que vão passar um tempo e acabam decidindo não mais voltar para casa. Os que permanecem copiam a forma americana de ser, com as mesmas manias e costumes.

Colocar máquinas de refrigerante em qualquer lanchonete e refeitório, jogar pedaços de comida pelo ralo da pia, ter mais de três carros na garagem, comprar caixas de comida pronta chamada Michelinas e guardar caixas de cereais e latas de comida Campbels no armário. Não limpar a casa, comer em fast food, se lambuzar com donuts, sofisticar rodas de carro velho, pintar os cabelos de loiro em cima e preto em baixo, dar gorjeta para qualquer serviço prestado, gostar de hip hop e comprar produtos com taxas de 6% acima do preço visto na prateleira. Se você vai ao restaurante, além do preço do jantar e das gorjetas para o garçom, ainda aparece na conta uma taxa de 6% do total. O chamado imposto americano. Pago na hora da compra.

Convivemos com essas manias, assim como seguimos as regras americanas. Comprar bebidas alcoólicas apenas com 21 anos, dirigir com 16. Trabalhar com qualquer idade. Há pouca fiscalização. O meu Social Security, número que qualquer pessoa deve ter ao começar a trabalhar, deu problema e não ficou pronto até hoje. O meu primeiro nome foi registrado errado. No entanto, pude trabalhar sem problema algum não tendo qualquer número ou registro nos Estados Unidos. E o visto foi exigido para fazer esse número, mas somente para isso.

Ninguém mais pediu o meu passaporte ou visto para verificação no decorrer dos três meses. Quando usava cartão de crédito ou débito, eles pediam carteira de identificação. E eu usava a brasileira, tranqüilamente. Sendo que, ao passar a fronteira, a identificação de um estrangeiro passa a ser o passaporte e não a carteira de identidade do país de origem. Porém, se o assunto era bebida alcoólica, a história mudava. Menores de 21 anos não podem sequer entrar em casas que vendem bebidas. Mas as boates que permitem a entrada de jovens a partir de 18 anos reservam um lugar para os maiores de 21 beberem. Significa que se dois amigos, um de 18 e outro de 21 visitarem aquele estabelecimento, serão obrigados a ficar em áreas diferentes se o mais velho desejar consumir álcool. Nos restaurantes, quem além da comida estiver a fim de beber uma cerveja deverá apresentar a identidade. Sempre. Sem exceção.

Mesmo sendo regrados, capitalistas, amantes do Bush, e com o ar de “somos os melhores” quase sempre, os americanos são muito amigáveis e gostam de ajudar. Porém, não deixam de ser um tanto fúteis e superiores no que fazem. Como na questão de não curtirem a idéia de ter de trabalhar com latinos, muito menos na parte braçal. Mas, por sorte existem os loucos estudantes estrangeiros, que deixam de lado a cômoda vida no país de origem com o propósito de lavar e limpar para eles. O trabalho é pesado e chato para quem trocou livros e cadernos por vassouras, panos e produtos químicos. Experiência nova, eu diria.

Praticar o inglês, conhecer novas culturas, pessoas e lugares. Esse é o objetivo do intercâmbio que nos exige uma burocracia infame. Meses correndo atrás de papéis para o visto, dólares investidos na viagem, tempo para reuniões e orientações, encaminhamento de passagens aéreas, e o risco de ter o visto negado sem motivo esclarecido. O visto é outra história. Toda a humilhação que se passa na entrevista no consulado americano exigiria outro texto.

Viver sozinha em um lugar do outro lado do mundo não foi nada simples. Às vezes, os empregados do hotel nos perguntavam o que realmente estávamos fazendo ali. Perdendo férias de verão para trabalhar como doidas. Vale a pena! Foi uma experiência incrível. Trouxemos uma bagagem carregada de história de vida. Las Vegas, em Nevada, Salt Lake City, capital de Utah, Miami na Flórida. Lugares lindos que me fizeram lembrar que mesmo trabalhando, ainda estava de férias no Brasil.

800x600. ©2005 Agência Experimental de Jornalismo/Revi & Secord/Rede Bonja.