Engavetado, rejeitado, barrado, o termo não interessa mais. O fato é que a Câmara de Vereadores de Joinville, outra vez, envergonha a população joinvilense, ao blindar o vereador Lauro Kalfels [sem partido], que ofereceu dinheiro a uma jornalista, no final do ano passado, e confessou ter agido da mesma forma com radialistas da cidade. A manobra aconteceu nos últimos minutos da sessão desta terça-feira [8/3].
Com a pauta abarrotada de vetos do poder Executivo, os vereadores estenderam as votações até às 19h45 quando, para um plenário completamente vazio, o presidente da casa, Darci de Matos [PFL], submeteu à votação denúncias de nove estudantes de jornalismo. Os acadêmicos solicitavam a abertura de uma comissão processante para o caso. Dalila Rosa Leal [sem partido], Zulmar Valverde [PFL], Fábio Dalonso [PSDB], Odir Nunes [PFL], Joaquim Alves dos Santos, o Quinzinho [PSDB], Marcucci [PSDB], Maurício Peixer [PSDB], Luiz Bini [PSDB] e José Cardozo, o Cardozinho [PPS] votaram pela impunidade, apenas Adilson Mariano [PT] defendeu o início das investigações.
PMDB sai para não votar
Um pouco antes vexame, todos os parlamentares do PMDB se retiraram do plenário. Osmari Fritz, Tânia Eberhardt, Jucelio Girardi e João Luiz Sdrigotti preferiram omitir suas opiniões e beneficiar os vereadores favoráveis à pizzaria do Legislativo joinvilense. Um dia antes, dois deles, Tânia e Jucelio, defenderam a ética no jornalismo ao se pronunciarem na audiência pública que lotou o plenário da CVJ e debateu a relação da imprensa com os poderes. A audiência que marcou a encenação dos peemedebistas foi a mesma que os acadêmicos utilizaram para denunciar Lauro Kalfels. Antes do ato dos estudantes, dois requerimentos – um do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e outro do Partido dos Trabalhadores – já haviam sido arquivados pela Câmara.
Mariano é ameaçado por Kalfels
Alvo das denúncias, a exemplo dos peemedebistas, Lauro Kalfels também saiu do plenário no momento da votação. Ele levantou, caminhou pelo corredor atrás do plenário, cruzou a recepção e, ao final de exatos 45 passos, parou à frente do petista Mariano e ameaçou: “Tu vai ver. Só tá começando. Você vai se ferrar”. A reação foi imediata: Mariano pediu questão de ordem e partiu para a tribuna: “As denúncias foram públicas, estão estampadas nos jornais. Por isso é uma obrigação desta casa instaurar a comissão processante. Sou livre para votar. Voto do jeito que acho justo e não admito receber ameaças por conta da minha posição. Não admito e não aceito a manobra que esta casa está fazendo. Votar uma matéria de tamanha importância com o plenário esvaziado é uma vergonha, uma irresponsabilidade para com os munícipes denunciantes”. Kalfels ameaçou Mariano por ter realizado a audiência que debateu a ética no jornalismo e por ter sido o único vereador favorável às investigações.
Máscaras e muita demagogia
Quando o escândalo explodiu no rodízio do Legislativo joinvilense, os pizzaiolos da base governista vestiram-se de oposição para crucificar as trapalhadas do Papai Noel Kalfels. Apesar do parlamentar afirmar que tudo que desejava era distribuir presentes de natal à imprensa joinvilense e confessar que uns profissionais um pouco gulosos lhe exigiam – e ele pagava – até R$ 500,00 ou R$ 600,00, Kalfels pôde ler exaltadas declarações dos amigos nas páginas dos jornais. "Ele deve ter o respeito comigo e com os outros profissionais, pois nunca vi ou ouvi vereadores oferecerem dinheiro. Não é uma atitude normal. Vou exigir uma investigação e cobrar dele uma explicação, para saber por que disse que mais políticos fazem isso", afirmou a sua então companheira de partido no PSL, Dalila Leal.
Outros que gastaram retórica em dezembro, Maurício Peixer e Osmari Fritz também posaram de inimigos da impunidade. "Ele vai ter de falar quais vereadores dão dinheiro. Que outros?", perguntou Peixer, indignado. "Não foi uma atitude saudável e a mesa diretora deverá tomar uma providência", encenou o peemedebista. Todas as declarações foram concedidas ao Jornal A Notícia, durante a série de matérias que elucidaram o caso à população. A suposta indignação dos parlamentares, à época, partia de algumas colocações de Kalfels que tratavam a prática como corriqueira entre os demais vereadores. Para Mariano, uma questão não ficou esclarecida: “Realidade ou não, o fato é que, passados quase três meses do acontecido, a máscara dos representantes do povo veio a pique, imergiu frente a um temor misterioso. Afinal, o que temem os vereadores que rejeitaram o processo de investigação?”
Repercussão e próximas medidas
Por conta das ameaças de Kalfels, Mariano registrou um Boletim de Ocorrência [BO] com as frases do vereador, e promete continuar cobrando providências para o caso. Na comunidade acadêmica, a notícia da rejeição provocou indignação e deve render protestos. Além disso, os estudantes planejam continuar com o protocolo de denúncias na CVJ até que os parlamentares instaurem o processo. O presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Rubens Lange, lamentou a rejeição dos nove pedidos: “Ao rejeitar as denúncias, a Câmara de Joinville abortou a possibilidade de elucidar esta prática à população. O legislativo tem que dar o exemplo de lisura, transparência, ética e justiça. Ao abortar a solicitação, os vereadores abortam o debate. Por isso o sindicato entende que a sociedade deve se manifestar contra a medida”.
A Federação Nacional dos Jornalistas [Fenaj] também lamentou a escolha dos vereadores joinvilenses. “É uma postura corporativa, sem justificativa. Eu acho que a Câmara perdeu uma boa oportunidade de investigar, de dizer que repudia e é contra esta relação espúria da classe política com a imprensa”, disse o presidente da Federação, Sergio Murillo de Andrade, que complementou: “A Câmara dá um passo atrás, perde uma grande oportunidade de acompanhar o movimento nacional de busca pela ética na relação da imprensa com os políticos”.
Robson da Silva é aluno do 8º semestre do curso de jornalismo do Ielusc e assessor parlamentar na Câmara de Vereadores de Joinville