Um dos deveres básicos da mídia é ouvir os dois lados. Pois bem! Samuel Lima, doutor em mídia, movido talvez por propósitos partidários ou de amizade, escreve agressivo artigo contra minha pessoa e a situação do Museu da Bicicleta (A Notícia, 3/10/2005, p. A3). Professor que é, recusa-se a cumprir com o dever mais básico da mídia, que é o de ouvir os dois lados, antes de fazer seus juízos. Pode-se argumentar que não estava no papel de jornalista e, sim, de amigo ou de cidadão, mas por acaso isso lhe dá o direito de usar um jornal para injuriar, sem sequer tomar a cautela de conferir as informações?
O dr. Samuel bem sabe que uma das facetas do autoritarismo consiste na adulteração dos fatos e da história. E suas agressões a minha pessoa baseiam-se em afirmações que não têm um mínimo de apoio na realidade, pois Valter Busto foi recebido mais de uma vez pela Fundação Cultural de Joinville, quando fez exigências descabidas.
O Museu da Bicicleta permanecerá em Joinville, com ou sem Valter Busto, graças à ação firme e enérgica, mas nunca autoritária, empreendida pela municipalidade em favor de um patrimônio que, por razões de diversa ordem, deve ser dos joinvilenses. Para que a opinião pública seja esclarecida de um modo mais aprofundado, é importante expor um breve histórico da situação do chamado museu.
Há quatro anos havia um contrato de locação entre a Fundação Cultural de Joinville e Valter Busto, para fins de exposição de seu acervo. Como advogado que sou, entendi que a locação de um acervo privado era permitida por um determinado período, mas não indefinidamente. Pois bem, com a mudança da gestão, entendi que era necessária uma solução jurídica definitiva. Ou o acervo deve ser público, ou privado. No último caso, se pertencente a uma associação regularmente constituída, poderia ser mantido mediante uma subvenção, e não mediante contrato de locação.
Em vista disso, a Fundação Cultural de Joinville teve mais de uma conversa com Valter Busto, ao longo deste ano, comprovadas por inúmeras testemunhas e participantes, algumas delas reportadas até pelo interessado. A desinformação e açodamento de Samuel Lima revelam apenas uma parcialidade inconseqüente e distante da realidade.
E apesar das conversas, Valter Busto agiu de modo desleal com a Fundação Cultural de Joinville, por algumas razões: 1º pediu praticamente o triplo do que recebia a título de locação. Posteriormente, em contato com a imprensa, afirmou que pediu o que recebe o diretor de um museu (ainda aqui, seria o dobro do que recebia). Todos devem ganhar bem, mas Valter Busto queria ganhar mais do que um médico que atende às crianças de Joinville; 2º porque não só negociou paralelamente com Itajaí, como anunciou a ida do museu sem que antes pudéssemos tentar chegar a bases razoáveis para um acordo; 3º porque jamais apresentou a idéia de uma fundação de caráter público. Uma vez mais o dr. Samuel aparece desinformado. Se estivesse presente nas reuniões realizadas, ou se tivesse o mínimo de cuidado antes de escrever, saberia que este foi o segundo ponto da discórdia. Enquanto queríamos um acervo público ou incluído numa ONG, mas que não mais fosse privativo de Valter Busto, este insistia numa solução em que continuasse detendo os poderes finais sobre o acervo.
Três soluções são possíveis, após a deslealdade empreendida por Valter Busto: 1º) a solução ideal, baseada numa negociação que permita a ambas as partes atingir o fim a que se propõem (em nosso caso, que a cidade tenha um bom acervo de bicicletas, e para Valter Busto que ele possa continuar negociando com o acervo que possui); 2º) cruzarmos os braços e lamentarmos a ida do museu para Itajaí; 3º) usarmos sim do poder que nos foi outorgado pela lei e pela cidade de Joinville para que o acervo permaneça na cidade, mediante a contrapartida de justa indenização ao dono do acervo.
Creio que a municipalidade já tem razões de sobra para a permanência do museu. Primeiro porque por mais de quatro anos pagou por sua permanência na cidade. E segundo, porque joinvilenses doaram bicicletas valiosas para a cidade, que foram incorporadas ao acervo. Terceiro, porque se optarmos pela desapropriação (mas pretendemos continuar negociando), pagaremos um valor de mercado pelo acervo.
O decreto de utilidade pública apenas repõe as coisas ao estado anterior, mostrando a supremacia do interesse público sobre o interesse de uma única pessoa, que mesmo em caso de desapropriação do acervo será devidamente indenizada. Não nos renderemos às chantagens de ninguém!
É verdade que Valter Busto deixou seu acervo à disposição, por todos estes meses. E se nos for apresentado um modo legal de pagá-lo, nos moldes anteriores, o faremos. Mas é certo que o administrador público deve agir dentro da moralidade administrativa e da legalidade. E, como dito, o contrato de locação existente, se é certo que dentro da legalidade por um período, não continuaria a sê-lo indefinidamente. Não o renovei porque, além de não ser a solução ideal, não podia fazê-lo!
Ainda confio na alternativa de negociações. Mas entre cruzar os braços e defender a cidade, pagando ao cidadão um valor justo por eventual desapropriação, que não se tenha dúvidas de que lutarei em favor do que é melhor para Joinville. E tenho certeza que teremos o forte apoio, se não da minoria ruidosa, da maioria silenciosa.
Rodrigo Bornholdt é vice-prefeito e presidente da Fundação Cultural de Joinville. Este artigo foi publicado originalmente no jornal A Notícia em 04/10/2005