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Matéria 1490, publicada em 07/10/2005.


A história do Mubi

Valter Fernandes Busto


Reafirmo: minha única fonte de sobrevivência ao longo dos últimos 25 anos está sendo retirada. Sobreviver pelo trabalho é um direito universal inalienável. Quando o Executivo priva ou tenta privar qualquer cidadão desse direito básico, e o faz através de decreto, o Estado democrático corre sério perigo. O prefeito, o seu vice, o Judiciário e a sociedade joinvilense sabem que essa ferramenta jurídica não se aplica ao Museu da Bicicleta.

Em 1996, a convite da Expoville, realizei por ocasião da I Feira Têxtil, a exposição “Clunker: a História do Mountainbike”, meu primeiro evento em Joinville. Transcorridos três anos surgiu outro convite feito pelo empresário Moacir Bogo, para que eu trouxesse toda minha coleção para a cidade e montasse o Museu da Bicicleta, abrindo os festejos do sesquicentenário. As condições acertadas com o Instituto Joinville 150 anos para a minha vinda foram: remuneração equivalente à de um diretor de museus; condições adequadas de trabalho (instalações, materiais, verbas, etc.); compromisso com os procedimentos legais posteriores para a criação da Fundação Museu da Bicicleta ou dos Transportes, proposto por Bogo, que agregaria o Mubi e funcionaria de forma independente (acervo, estrutura administrativa e financeira etc.).

No período imediato às negociações, aconteceu minha segunda exposição, realizada durante o XVII Festival de Dança de Joinville, e que teve por título “Mostra Museu da Bicicleta de Joinville”. O evento, patrocinado por Bogo tinha o aval cultural do Instituto 150 Anos e sua finalidade era aproximar a comunidade do museu.

A partir do ano de 2000 passei a residir em Joinville, em pequeno apartamento alugado pelo Instituto 150 Anos, e iniciei a montagem do museu, com a finalização da transferência de meu acervo para a cidade. Após a inauguração do Mubi, em 9 de março de 2000, passei a receber uma ajuda de custo, somente para minha alimentação. Minha remuneração de coordenador do Museu começaria depois da extinção do Instituto 150 anos, mediante meu primeiro contrato de locação com a Fundação Cultural, e nunca nos patamares de um diretor de museu da cidade. Também não recebi da FCJ ou da Prefeitura qualquer ajuda financeira para minha manutenção ou a do Mubi.

Após a saída de Carlos Adauto Vieira da FCJ, em novembro/2004, foi interrompido o contrato de locação do acervo, situação que perdura até hoje. No último dia 3, foram completados 11 meses sem qualquer tipo de remuneração, conforme comprovei em entrevista coletiva concedida no último dia 28, nas dependências do Museu da Bicicleta. Também ficou comprovada minha incessante busca de diálogo com a Fundação Cultural e com a Prefeitura Municipal de Joinville.

O meu maior objetivo sempre foi o de transformar o Mubi em Fundação, e não vender o acervo para Joinville ou qualquer cidade, uma vez que o compromisso assumido com as pessoas que me doaram suas bicicletas, ao longo desses 25 anos, foi baseado numa relação de amizade, confiança e moral. Muitas dessas pessoas são falecidas. Negociar essa coleção seria um ato canalha, ganancioso e pequeno de minha parte, diante da generosidade dessas pessoas. Que fique bem claro: eu não sou negociante! A grandeza desses cinco anos e seis meses, nos quais o Mubi acolheu de forma generosa e amiga mais de 100 mil pessoas que nos visitaram foi o meu compromisso silencioso assumido com os senhores Rinaldi Rondina, Antonio Bérgamo, Rolando Montezi, Luís Bérgamo, e Franz Plestisch, amigos queridos e já falecidos que doaram peças valiosas, de valor histórico, ético e moral, não comercializáveis. Muito mais do que suas bicicletas, a história de vida dessas pessoas dá brilho a este acervo e revigora a minha disposição para a luta. Em suma, o Mubi tem hoje 142 bicicletas no total, das quais 130 foram doadas diretamente a mim e as outras 12 foram doações de joinvilenses.

O ato impensado da FCJ e o descaso com esta grande instituição que é o Museu da Bicicleta, um dos símbolos de Joinville e de Santa Catarina, dentro e fora do país, afronta à memória dessas pessoas ilustres, que não estão mais entre nós para defender o Mubi, como tenho certeza que fariam com a mesma determinação e garra de quando competiam. A Fundação Museu da Bicicleta é o ato que tornará perene a história da bicicleta deste país e fará com que a memória desses homens descanse em paz.

O ato de força do Decreto nº 12.612, de 23 de setembro, que foi assinado pelo Prefeito Marco Antonio Tebaldi, me priva da possibilidade de sobrevivência e ofende a memória desses abnegados desportistas, que de forma brilhante marcaram a história do ciclismo paulista e de nosso país. Também leva temor aos cidadãos e eleitores, que a qualquer momento podem ser surpreendidos através de um ato semelhante a confiscar-lhes parte de uma vida de trabalho.

Os mentores do Decreto sequer pensaram que o ato baixado pode suscitar uma reação dessas famílias paulistas, e até envolver uma disputa judicial de maior amplitude, sem nenhuma necessidade, pois é um patrimônio que foi a mim confiado, e que corre o risco de confisco em Joinville. Chamo-os à razão e ao diálogo.

Os anos de exceção, que marcaram a nossa história pelo crime, o abuso e o autoritarismo, fazem parte do passado. Graças à força e à independência de nossas casas legislativas e da sociedade, o Estado democrático de direito foi restaurado.

Se cresci culturalmente na cidade, empobreci materialmente trabalhando para a entidade que tem a representação máxima no cenário da cultura local, a Fundação Cultural de Joinville.

A Fundação Museu da Bicicleta é a minha bandeira de luta! Ela será a depositária honrosa desse passado e de sua história aqui em Joinville. Agradeço, por fim, as incontáveis manifestações de apoio e solidariedade que vieram não só de Joinville, mas de inúmeras partes do país.


Valter Fernandes Busto é jornalista e proprietário do acervo do Museu da Bicicleta.

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