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Matéria 1489, publicada em 07/10/2005.


Descaso, incompetência e autoritarismo

Samuel Lima


Criado em março de 2000, na esteira das comemorações dos 150 anos de Joinville, o Museu da Bicicleta (Mubi) corre o risco de ser transferindo para Itajaí. Com um acervo organizado pelo jornalista e colecionador Valter Busto, proprietário de 90% das peças, o Mubi é vítima do descaso, da incompetência e do autoritarismo daqueles que hoje ocupam, por delegação da sociedade joinvilense, o “poder” municipal.

O descaso é flagrante: os dirigentes da Fundação Cultural de Joinville (FCJ), especialmente seu presidente, o vice-prefeito Rodrigo Bornholdt, eram conhecedores de que o contrato de locação do acervo houvera expirado em 3/11/2004, há quase um ano. Em reiteradas ocasiões, o coordenador do Mubi se dirigiu às autoridades da FCJ buscando uma solução ao problema. Foi solenemente ignorado em todas elas – tem seus ofícios endereçados ao presidente da Fundação protocolados para não deixar dúvidas no ar. Por isso, é mister afirmar que o Sr. Bornholdt mentiu à sociedade ao afirmar que estava “surpreso” e “buscando alternativas legais”??? Há onze meses sem receber nenhum centavo pela prestação de serviço, legitimamente o colecionador foi buscar o básico elementar: a sobrevivência, num outro município que o tratasse com o devido respeito, e dignidade. Pergunto: quem de nós suportaria essa situação sem reagir?

A incompetência é auto-demonstrada pelos artífices da Fundação Cultural quando cobram que a “alternativa legal” seria responsabilidade do Sr. Busto. Ora, em diversas ocasiões já foi dito e repetido que a proposta do colecionador é transformar o Museu em uma fundação, cujo caráter público daria ao município a guarda de todo acervo, além de resolver questões de natureza profissional entre o coordenador do Mubi e a prefeitura municipal. Mais que incompetência, é também questão de vontade política: a prefeitura de Itajaí aprovou, em 50 dias, na câmara de vereadores, um projeto de suplementação orçamentária dando suporte à instalação do Museu naquele município. Quase um ano após o vencimento do contrato, os dirigentes da FCJ ainda “buscam alternativas” legais... Por que não encaminharam a proposta de criar a Fundação Mubi?

Por último, a sombra do autoritarismo da prefeitura de Joinville aparece sem disfarces no Decreto 12.612, assinado em 23 de setembro, que “declara de utilidade pública para fins de desapropriação” o acervo do Mubi. No popular: a FCJ quer se apropriar de um patrimônio que é do colecionador Valter Busto, à exceção de poucas peças doadas por joinvilenses, negando-lhe o direito humano mais elementar: o de lutar pela sobrevivência, com honradez e dignidade. Este é um ato de uma violência sem par, de parte de um ente estatal contra um cidadão. Entendo que o momento exige a manifestação dos vereadores compromissados com a cidadania, da Ordem dos Advogados do Brasil, de entidades de classe e, especialmente, dos empresários do setor turístico – porque o fim do Mubi torna mais pobre nosso acervo geral.

Solidarizo-me com Valter Fernandes Busto, cidadão brasileiro, jornalista e colecionador, que dedicou 25 anos de sua vida a reconstituir, restaurar, contar e recontar as histórias do mundo das bicicletas – só para se ter uma idéia, mais de 100 mil visitantes passaram pelo Mubi nos últimos 5 anos. Defendo que o Museu permaneça na cidade, mas isto depende de um gesto de grandeza do poder público municipal.


Samuel Lima é doutor em mídia e teoria do conhecimento pela UFSC e coordenador do curso de comunicação social do Ielusc. Este artigo foi publicado originalmente no jornal A Notícia em 03/10/2005

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