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Matéria 1377, publicada em 06/09/2005.


Para repensar a gestão prisional

Valdirene Daufemback

Desde 1997, com a criação do Conselho Carcerário da Comunidade, um grupo de organizações da sociedade civil, empresas e órgãos governamentais, impulsionadas pelo Centro de Direitos Humanos de Joinville, compartilham da luta pela transformação do sistema carcerário, atuando no Presídio Regional de Joinville. O conselho já alcançou muitos avanços, mas os problemas também se inovaram e parece necessário ainda mais criatividade e determinação para enfrentar a questão carcerária com a seriedade que ela merece, criando soluções que envolvam a comunidade.

A experiência acumulada, principalmente com o Projeto de Humanização do Presídio de Joinville, aponta a direção a seguir. Porém, nesse momento complexo da segurança nacional brasileira, com a organização do crime e o fracasso do modelo de sistema prisional, algumas idéias imediatistas e radicais encontram eco na sociedade. Como forma de enfrentar essas questões, o Conselho Carcerário realiza, no próximo dia 27 de setembro, em Joinville, o 2º Seminário Gestão Prisional, Segurança Pública e Cidadania. O objetivo é debater as problemáticas pertinentes ao sistema prisional e suas interfaces com a segurança pública e a cidadania, visando deflagrar um posicionamento voltado à priorização de políticas públicas, de prevenção ao crime, de emancipação do encarcerado e de participação da iniciativa privada e da comunidade na gestão prisional.

A administração penal precisa ser compreendida em sua complexidade; não deveria utilizar os mesmos métodos e nem ter os mesmos objetivos da atividade policial. Veja-se o exemplo de São Paulo, que criou a Secretaria de Administração Penal após o vergonhoso “massacre do Carandiru”, possibilitando que uma nova etapa fosse iniciada no sistema prisional daquele Estado. Essa estrutura governamental especializada permite o estudo e a implementação das ações prioritárias, contemplando as idéias e as experiências dos profissionais capacitados para a área, tendo recursos próprios e criando metodologias apropriadas de trabalho. Outra situação que dificulta a gestão prisional são as substituições freqüentes dos administradores dos estabelecimentos penais e o critério político partidário utilizado na escolha desses administradores. Isso representa grave ameaça ao processo organizacional desses estabelecimentos, pois a descontinuidade das políticas e a falta de conhecimento e o perfil inadequado de muitos para o cargo transtornam a vida das pessoas que trabalham e são encarceradas nessas instituições. No fundamento dessa proposição está a premissa de que o Estado não pertence ao governo, pertence ao cidadão e à cidadã e que a esses interessa que o princípio da universalidade e da competência seja respeitado.

Examinando as prisões nos últimos três séculos é possível constatar algumas evidências sobre os modelos de prisão e seus efeitos sobre as pessoas e a sociedade. A primeira é que os grandes complexos penitenciários não funcionam, favorecem a violência, a massificação das pessoas encarceradas e a corrupção e dificultam o acompanhamento e a assistência ao encarcerado, bem como a administração da organização.

A segunda é que o cumprimento da pena do encarcerado longe do convívio familiar e dos laços existentes no local de moradia contribui para o seu afastamento da estrutura familiar e dos valores de pertencimento à comunidade, fundamentais para a vida em liberdade. Indiretamente, isso pode favorecer a reincidência do egresso na criminalidade, em especial quando não existem mecanismos concretos de inclusão social, como a oferta de emprego.

A terceira é que a “ressocialização” é uma falácia se esperada a partir de uma medida de cumprimento de pena sem a participação da sociedade. Seja a pena restritiva de liberdade ou não, a sociedade precisa reconhecer que ela faz parte da gênese da criminalidade e que se faz necessário repensar suas relações no sentido de construir uma sociedade não-opressiva e onde as oportunidades sejam iguais para todos.

Considerando os aspectos expostos é que o Estado de São Paulo vem instituindo um novo modelo de prisão chamado Centros de Ressocialiação (CRs). Essas prisões são espaços de até 230 vagas onde presos condenados e provisórios estão reclusos na cidade onde residem. Os CRs possuem um sistema interno de autogestão e responsabilidade compartilhada. Nesses espaços existe um sistema de parceria na gestão com a comunidade, onde a sociedade civil organizada participa da definição e execução das políticas, gerenciando as atividades laborais, de educação e saúde da instituição. A arquitetura do espaço permite que as visitas não passem por revistas vexatórias. A estrutura física também possui espaço para atividades laborais, educacionais, esportivas e de saúde. Todos aqueles que estão nos CRs estudam e trabalham.

Mas podemos (e devemos) chegar mais longe ainda! Chegar ao momento da história no qual sejam derrubados os muros da prisão e a sociedade se preocupe em cuidar de si mesma, em sua integralidade, lidando melhor com a noção de liberdade e responsabilidade. É o que se vai debater no 2º Seminário sobre Gestão Prisional, para o qual traremos novamente um conjunto de renomados especialistas que nos ajudarão a colocar luzes nesta série de temas tão importantes.


Psicóloga e integrante do Conselho Carcerário da Comunidade, em Joinville

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