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Matéria 1371, publicada em 02/09/2005.


O alfabeto inútil da avaliação do MEC

Jacques Mick

É inútil esperar qualquer coisa do relatório de avaliação dos especialistas que visitaram o Curso de Comunicação do Bom Jesus/Ielusc no início desta semana. O relatório e o conceito de cada uma das habilitações deverão ser divulgados em dois meses, mas o método de avaliação e, especificamente, as características do trabalho realizado em dois dias pela comissão encarregada da tarefa não justificam expectativas de nenhuma natureza quanto à qualidade do resultado.

Os três professores da comissão do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, órgão responsável pela avaliação dos cursos de graduação no Brasil) mal tiveram tempo de conhecer Joinville — e, a meu ver, conheceram no máximo um fragmento dos cursos. Chegaram na segunda de manhã e foram embora na quarta, logo cedo. O saldo dessas 48 horas de jornada (e, talvez, 24 horas de trabalho) será um conceito que irá perdurar por três, quatro anos, até a próxima avaliação, como durou até agora o B, que nos situa “acima” de umas escolas e “abaixo” de outras. O conceito é acompanhado de um relatório com recomendações de aprimoramento, e essa avaliação autoriza a renovação do reconhecimento dos cursos.

Como na sala de aula, o que menos importa é a nota. A outra avaliação que acompanhei como professor, em 2002, foi mais tensa, já que envolvia o reconhecimento dos cursos. O B caiu bem, mas o relatório era claro: o principal desafio para o curso era o projeto político-pedagógico. O corpo docente e as práticas de ensino eram de qualidade, mas era necessário traduzir num documento essas experiências de sala de aula, totalmente dissonantes em relação ao PPP original, elaborado pela comunidade luterana no início dos anos 1990, quando o Bom Jesus resolveu criar o Ielusc. Ao lado disso, havia uma série de recomendações para a direção da instituição, desde aprimorar a infra-estrutura, a biblioteca e os laboratórios, até definir políticas de contratação de pessoal, formação de professores e apoio à pesquisa.

Durante dois anos e meio, os professores trabalharam num PPP que, na minha opinião, é extraordinário. Discutimos tudo detalhadamente: a caracterização da região; os perfis, competências e habilidades esperados dos formados em cada curso; as práticas de avaliação; a interdisciplinaridade; a não-relação com o mercado; a (des)construção do conhecimento; a experimentação. Na tarde da terça-feira, 30, participei da reunião dos professores com a comissão de especialistas do Inep. Esperava um diálogo inquietante, centrado nas dificuldades de implementar um PPP tão ambicioso em condições adversas. Não houve nada disso.

Os integrantes da comissão têm um roteiro de tarefas a cumprir. Há perguntas que eles têm o dever de fazer, e achei que tinham começado por elas, para só ao final tratar do que, a meu ver, de fato interessa: a qualidade de ensino. No entanto, as questões começaram e terminaram em temas que a última avaliação apontara, temas repisados a cada semestre pelos professores e, às vezes, pelos alunos, temas cuja solução em absoluto depende do Curso de Comunicação: aprimorar a infra-estrutura, a biblioteca e os laboratórios, definir políticas de contratação de pessoal, formação de professores e apoio à pesquisa...

Nenhuma questão sobre o projeto político-pedagógico, nada sobre experiências de avaliação, nem sobre práticas de sala de aula. Nenhum interesse quanto à história das relações entre o Curso e a comunidade, nem sobre o funcionamento dos núcleos. Tive a impressão de que os avaliadores já dispunham de um diagnóstico, construído nas 18 horas anteriores, e que tinham ido à conversa não para recolher elementos novos, mas para confirmar o que já sabiam. Tive a sensação de ser entrevistado por um mau repórter, daqueles que tentam pôr palavras na boca da fonte. Saí da reunião convicto de que esse método de avaliação não está correto – e deve ser discutido.

Fui atrás de mais informações. Soube que, entre os alunos do curso de Jornalismo, só haviam sido entrevistados pela comissão uma turma do segundo semestre, com 26 alunos, e dois formandos. (Isso: dois). Soube que a comissão tivera de antecipar a conclusão de seu trabalho para a noite da terça-feira, chamada pelo MEC a retornar a Brasília. Soube que a avaliação custara caro: R$ 6 mil por curso, mais as despesas de deslocamento, alimentação e hotel para os três membros da comissão. Soube que haviam feito um alvoroço no departamento de pessoal, exigindo a comprovação do registro de contratação nas carteiras de trabalho dos professores. Suspeitavam de fraude na contratação de professores de maior titulação – rigor louvável, desperdiçado nesse objeto.

O crescimento do número de instituições de ensino superior no Brasil foi tamanho e tão rápido que deve ter afetado o trabalho das comissões de avaliação. Elas não conseguem mais chegar à essência das práticas de ensino: detêm-se na infra-estrutura, nas exterioridades. No Ielusc, ficaram de olho na Casa Amarela, mas não conseguiram estender a visão para a sala de alua. Dentro de dois meses, sairá dessa experiência o relatório e o conceito que nos marcará, como a gado, durante três ou quatro anos. Um A e sua falsa euforia, um B que nos provocaria indiferença, um C revoltante (um D seria descabido) – em qualquer caso, um alfabeto inútil.


Jacques Mick é professor do Ielusc

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