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Matéria 1124, publicada em 04/05/2005.


Uso do flúor no tratamento de água canalizada gera polêmica

Pricilla Back

De um “santo” remédio, responsável pela saúde bucal da população, o flúor adicionado à água canalizada passou a “vilão”. Pelo menos é o que indica a série de matérias publicadas pelo jornal “O Vizinho”, de Joinville, desde meados de 2004. Uma das edições da publicação apresentou as críticas do químico norte-americano Paul Connett à fluoretação. Ele denuncia a alta toxicidade do flúor, substância que considera um verdadeiro “lixo industrial”. O cientista, inclusive, relaciona a fluoretação a doenças como hipotireoidismo, câncer de ossos, infertilidade e até mesmo diminuição do nível de QI (quociente intelectual) em crianças muito expostas ao composto. A tese ainda está em estudo.

Tais doenças seriam influenciadas pela falta de controle no consumo do flúor por indivíduo. Ou seja, quem bebe muita água ingere maior quantidade de flúor. E o pior: considerando, de acordo com o raciocínio de Connett, que o flúor adicionado à água é ineficaz no combate às cáries, seu uso unicamente serviria para debilitar o organismo.

Os mais suscetíveis à ação do produto seriam as crianças e os idosos devido à maior fragilidade do organismo, e os atletas e diabéticos, pois ingerem quantidade maior de água. Não há um controle da quantidade consumida por “paciente”. Alguns estudos revelaram ser o flúor um veneno cumulativo, pois somente 50% do que ingerimos é expelido. O restante continua no organismo; e pode se acumular nos ossos, prejudicando o sistema ósseo.

No Brasil, a fluoretação ocorre desde 1953. A primeira cidade a incorporar o flúor ao tratamento da água foi Baixo Guandu, no Espírito Santo. Em Joinville, essa prática começou em 1979. Recomendado por vários odontólogos e profissionais ligados à saúde, durante muito tempo não houve nenhuma dúvida sobre a eficácia do método. O primeiro problema relacionado ao mau uso do flúor foi a “fluorose”, doença que causa o aparecimento de manchas e enfraquecimento dos dentes.

Profissionais ligados a entidades odontológicas negam os malefícios do composto. Por outro lado, alguns cientistas e ambientalistas, como o professor Sérgio Luiz Dall’ácqua, dizem que o produto é tóxico e querem a proibição do tratamento da maneira como está sendo efetuado. Eles alegam ser uma injustiça o fato de a população não ter direito a escolher se quer ou não ser tratada. Connett afirma em seus artigos que mesmo em comunidades sem fluoretação vem ocorrendo a diminuição gradativa no número de pessoas atingidas por cárie. Isso porque, segundo ele, hoje existem outras formas de distribuição do flúor através de cremes dentais, por exemplo.

As quantidades de flúor encontradas na água nos Estados Unidos (foco principal da discussão) são bastante superiores às recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em Joinville, a quantidade já chegou a ser menor que a recomendada, segundo trabalhos de acadêmicos da Univille. Hoje, o nível utilizado fica entre 0,7 e 1,0 miligrama por litro, dentro do limite permitido pelo Ministério da Saúde, que vai até 1,5 miligramas por litro. Segundo o governo, a fluoretação através da água encanada é a forma mais barata de prevenir cáries.

Em 23 de agosto do ano passado, autoridades de várias áreas e profissionais ligados à odontologia debateram a questão em Joinville. Entre os participantes da discussão estavam a dentista Nilza Valor Gonçalves Wilhelsem, representante da Associação Brasileira de Odontologia (ABO) regional de Joinville; o delegado do Conselho Regional de Química, Carlos Alberto Klimeck Gouvêa; e a chefe do Serviço de Vigilância Sanitária e Epidemiológica do município, Marlene Bornow de Oliveira. A discussão realizou-se na Câmara de Vereadores e foi promovida pelo Comitê de Defesa da Cidadania. Durante o debate, Nilza Wilhelsem defendeu o uso da fluoretação. Afirmou não existir nenhuma comprovação de que as doenças citadas na tese do cientista americano tenham ligação direta com o uso do flúor, opinião compartilhada pela odontóloga e professora da Univille, Constanza Marin Odebrecht.

O jornal “O Vizinho” acusa a Agência Municipal de Regulação dos Serviços de Água e Esgotos (Amae) de não estar aberta à discussão do assunto. O diretor técnico da instituição, Adriano Stimamiglio, diz que o órgão não é a instância onde deve se desenrolar o debate. Alega estar apenas cumprindo ordens em relação à fluoretação, que é determinada por lei federal. Sem autonomia para suspender a aplicação do produto, a Amae pode somente fiscalizar e fazer cumprir a legislação. Adriano confessa que gostaria que fossem investigadas as denúncias para acabar com o que classifica de “sensacionalismo” em torno do tema.

Durante o debate na Câmara de Vereadores, os participantes demonstraram pelo menos um ponto em comum: acham que o caso deve ser melhor investigado e a questão deve ser levada às autoridades para a realização de estudos mais completos. Do ponto de vista econômico, porém, segundo o diretor da Amae, seria um bom negócio para as companhias de abastecimento de água suspenderem o uso de flúor. Afinal, a substância representa cerca de 20% de todos os gastos com produtos químicos adicionados à água. Hoje, o custo da fluoretação chega a aproximadamente R$ 40 mil por mês para a companhia municipal de abastecimento.

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