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Matéria 1021, publicada em 01/04/2005.


:Jessé Giotti

Davy: "MP é meu sacerdócio"

Davy Lincoln Rocha acusa imprensa de praticar maniqueísmo

Amcle Lima

Davy Lincoln Rocha, procurador da República responsável pelas ações na Justiça que apuram o suposto desvio de verbas públicas destinadas à Escola do Teatro Balé Bolshoi no Brasil, comenta detalhes do processo. Ele analisa também a cobertura do caso pelos meios de comunicação do estado, aos quais não poupa críticas e rebate a entrevista que Rodrigo Bornholdt, vice-prefeito e atual presidente da Fundação Cultural de Joinville, concedeu ao jornal Gazeta de Joinville.

Revi: Como começaram as investigações do caso Bolshoi?

Davy: Pelo Ministério Público Estadual, na pessoa do promotor da moralidade administrativa [Assis Maciel Kretzer], porque foi celebrado um contrato entre o balé russo e o município.

Revi: O que o senhor achou da entrevista que o vice-prefeito e presidente da Fundação Cultural de Joinville, Rodrigo Bornholdt, concedeu à “Gazeta de Joinville”?

Davy: Ele fala um monte de impropriedades. Ele disse que o balé é uma ONG [organização não-governamental], mas não é uma ONG. Primeiro porque não existe ONG instalada em prédio público. Se é uma ONG, ela não pode estar instalada em prédio público, já começa por aí. Ele diz também que não sabe se o dinheiro que está ali é público. Como não sabe? Todo o dinheiro que está ali é público.

Revi: O vice-prefeito questiona se a verba enviada para o exterior é pública ou não.

Davy: É, ele não sabe. Eu sei e posso explicar para ele se ele quiser. Na verdade ele sabe também. Existe uma tática de tentar repetir na mídia, forçar na mídia a idéia de que... Vamos fazer de conta que é assim, vamos colocar na mídia todo dia que é assim e vamos fazer como Goebbels. Você que está estudando jornalismo já deve ter ouvido falar de [Joseph Paul] Goebbels, que era o ministro da propaganda nazista. Ele pregava, ele tinha uma máxima fabulosa que é a seguinte: a propaganda, a máquina de propaganda nazista era baseada em repetir uma mentira tantas vezes até que ela se tornasse uma verdade. É massificar a repetição da mentira. Então você fica todo dia dizendo uma coisa no jornal até que as pessoas comecem a acreditar naquilo, embora seja uma mentira.

Revi: O senhor poderia falar um pouco mais sobre as verbas destinadas ao Bolshoi?

Davy: Foi firmado um contrato de direito público com o Balé Bolshoi, um órgão estatal da Rússia. O Balé Bolshoi não é uma entidade privada, não é como a Companhia do Corpo, que tem aqui, como a Débora Wolf, que são escolas privadas. O Balé Bolshoi é estatal. Então, foi celebrado um contrato para criar a escola aqui, mas uma escola pública. Aí eles viram o seguinte: a gente não pode pegar doação de verba pública se a gente não criar um instituto de direito privado. Então eles criaram a figura do Primeiro Instituto Escola de Artes Cênicas de Joinville. Começou com esse nome, sob a forma jurídica de pessoa civil de direito privado sem fins lucrativos. Nos atos constitutivos esse instituto era criado para dar execução ao contrato entre o município e o Bolshoi. Então ele é longa manos. Esta expressão latina, longa manos, quer dizer uma mão longa, um braço do município. Dessa forma a natureza jurídica dele segue a do município. Para todos os efeitos, esse instituto estaria sujeito a todos os ônus que a pessoa jurídica de direito público está, que são a obrigação de concurso público para contratações, obrigação de licitações etc. Eles querem ter todos os bônus da pessoa jurídica de direito público, mas nenhum ônus. Não querem ter o ônus de contratação por concurso, não querem fazer licitação. Muito bem, criou-se esse contrato, criou-se esse instituto, em 2002 ou 2003 mudou o nome para Instituto Escola do Teatro Balé Bolshoi no Brasil. Os atos constitutivos são nítidos, claros em dizer quem é que nomeia presidente, toda a estrutura de comando do instituto. Quem manda dentro do instituto é nomeado pelo prefeito. O que demonstra que é um longa manos do prefeito, da prefeitura, do município. Quem manda é o prefeito.

Revi: Na entrevista, Rodrigo Bornholdt diz que o prefeito não poderia afastar a supervisora da escola, Joseney Braska Negrão, porque ela é uma exigência do Balé Bolshoi.

Davy: Não senhor. Ela é nomeada pelos atos constitutivos, ela não foi escolhida pelo Balé. Isso é mentira, você vai me desculpar, mas isso é uma deslavada mentira. Eu fico bobo com a cara-de-pau com a qual as pessoas tem ido para o jornal mentir. Eu não sei o que é mais grave em si, se o crime que está sendo perpetrado até hoje pelos administradores do Bolshoi... Se você quiser você lê o contrato. O jornalista, ele tem que se acostumar com uma coisa. Eu vou dizer para você um vício que o jornalista aqui no sul tem. O jornalista quer as coisas esmiuçadas, quer que você explique até um contrato para ele. Um jornalista, ele tem que ler. Então eu digo assim: você quer investigar, você quer fazer uma reportagem bem feita, eu te dou o material, você lê. Eu não posso chegar aqui e explicar para você item por item do contrato. Eu mostro para você o contrato, você lê, eu tenho o contrato aí. Então, lendo o contrato, se você tiver alguma dúvida é até bom você consultar um advogado que não seja eu. Foi o que a Folha [jornal Folha de S. Paulo] fez. A Folha encontrou um procurador aposentado que se manifestou e disse que é ilegal. Porque, eu dizer que é ilegal? Eu já disse isso no meu processo, não tem nada de novo. Eu já disse isso na ação. Outra coisa é o seguinte: as pessoas estão querendo discutir na mídia e fazer o que a gente chama de instrução processual na mídia. Instrução processual quer dizer a seqüência dos atos processuais. Elas querem discutir o mérito na mídia e eu não estou discutindo o mérito na mídia. Eu já joguei o mérito na Justiça, depende dos juízes julgarem. Eu não estou fazendo instrução na mídia. A mídia publicou que eu digo... Eu não liguei para você chamando você para vir aqui. Se você é a mídia, você que está me procurando. As pessoas estão me acusando de fazer autopromoção, de querer fechar o Bolshoi... Você quer ver uma coisa? Saiu no último fim de semana no jornal A Notícia uma carta escrita pelo chefe da agência regional em Joinville da Celesc, um cargo comissionado. Então o emprego dele, ele deve ao governador porque é um cargo comissionado. Você sabe o que é cargo concursado e cargo comissionado, né? O jornalista, ele tem que ter uma noção jurídica, ele tem... Não estou querendo ensinar o pai-nosso ao vigário, mas uma coisa que sugiro a vocês modestamente é que leiam a Constituição. O jornalista não pode... Volta e meia você cai no direito público então você tem que ter um conhecimento da Constituição. Se você conseguisse até na tua faculdade, se tiver direito e tal, pedir para o professor de constitucional para assistir às aulas sem compromisso. Vocês têm que conhecer direito constitucional, tem que ler alguma coisa, tem que saber qual é a estrutura da Constituição. O jornalista que vem me procurar, que é um cara mais experiente, ele não vem perguntar para mim o que é o Ministério Público, isso está na Constituição. Então gastei meia hora com você para explicar uma coisa que a bem da verdade, e aí vai uma crítica construtiva, vocês já deviam saber [O procurador faz referência ao primeiro trecho da entrevista, publicada separadamente]. O que o jornalista pode saber sem entrevistar o cara, porque o cara não tem que ensinar nada para o jornalista. Ele tem que passar a informação para o jornalista, mas não a informação que está nos livros, porque se não eu estou dando aula.

Revi: Mas a idéia é que a entrevista seja didática mesmo.

Davy: Tudo bem, porque vocês são alunos de faculdade e tal. Mas eu sugiro a vocês que no futuro, quando forem fazer uma matéria, investiguem antes. Entra no Google e bota ali Bolshoi, João Prestes etc.

Revi: E quanto a João Prestes como procurador do balé russo?

Davy: O russo, ele não pode mandar no município de Joinville, muito menos os dirigentes do balé russo podem mandar na prefeitura. Eles celebraram um contrato com a prefeitura. Quem celebrou um contrato? O balé russo e a prefeitura. A Paramount é apenas uma procuradora. Então ela é procuradora do balé russo. Ora, se eu tenho um contrato com você e você estabelece no contrato um procurador, eu não estou ferindo nenhuma cláusula contratual dizendo que não quero mais determinado procurador. É um direito meu dizer que não quero mais esse representante. Bote outra pessoa para te representar ou vamos fazer o negócio direto. A Jô Braska nem procuradora é. Outra coisa: o procurador do balé no contrato, presta atenção nisso, não é o João Prestes. O procurador do balé no contrato é a Paramount. E o João Prestes disse que vendeu a Paramount. E a Paramount foi extinta por abandono. É assim, na Irlanda se você abre uma empresa e não vai lá todo ano pagar as tarifas, a chamada junta comercial de lá extingue a firma por abandono. Então foi automaticamente dado baixa na empresa em julho de 2001. Entretanto, até julho de 2004, ou seja, três anos depois da empresa extinta o cara continuava a emitir faturas lá da Rússia para cá de uma empresa que fica na Irlanda. Olha a zona. A empresa fica sediada na Irlanda, mas ele diz que a empresa tem uma filial na Rússia. Só que a fatura vem de lá citando o endereço da Irlanda. E eu tenho essas faturas até julho de 2004. Ele diz que redomiciliou a empresa dez meses antes de ela fechar em 2001. Ora, como é que você redomicilia uma empresa tirando ela da Irlanda, mandando ela para outro continente nas ilhas Seycheles em setembro de 2000 e a outra continua por mais dez meses até julho de 2001. Então você não redomiciliou, porque se alguém muda de um endereço para outro não existe a chamada ubiqüidade que é a capacidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo. E a empresa que ele diz que é a mesma esteve durante dez meses em dois lugares diferentes. Ele começa desafiando a lei da física. Então ele redomiciliou a empresa para Seycheles em setembro de 2000 e a outra, quer dizer, a outra não porque ele diz que é a mesma, continuou existindo por mais dez meses. Ele tem o dom da ubiqüidade, pois fez a empresa ficar durante dez meses sediada em dois lugares ao mesmo tempo. Já que não eram filiais e sim duas matrizes. Entretanto, mesmo depois de redomiciliada ele continuou emitindo nota fiscal pela primeira. O Prestes na verdade é o procurador da Paramount. No contrato, em lugar nenhum fala em João Prestes.

Revi: Mas a empresa é dele.

Davy: Sim, a empresa é dele. Ele escondeu isso porque apareceu aqui como procurador. A empresa era dele até ser fechada, depois ele diz que redomiciliou e vendeu. Então ele não é mais o dono. Agora em Seycheles admite-se uma figura empresarial que não existe no Brasil. Qual é? A empresa por cotas ao portador. Então quem é o dono? O dono é quem está com o papel escrito. No Brasil não existe isso. Tem que estar registrado na junta comercial quem é o dono. Em Seycheles admite-se que você registre na junta comercial o título e quem for portador é o dono. Eu posso pegar e vender a empresa para você com o título, sem escrever o nome. Ele criou então a empresa ao portador e diz que não sabe quem são os donos, que são investidores russos. Ele não sabe quem são os donos, mas continua sendo procurador da empresa. Mais um milagre de João Prestes.

Revi: Então a investigação começou a cargo do promotor Assis Kretzer e depois veio para o Ministério Público...

Davy: Veio quando ele descobriu que a maior parte do dinheiro que bancava o Bolshoi era público e federal. Que esse dinheiro vinha de empresas públicas federais como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e principalmente dos Correios. Mesmo o dinheiro dado por empresas particulares através da Lei Rouanet é público, é desviado da contribuição do imposto de renda para a cultura, pois a lei autoriza. Inclusive eu questiono a constitucionalidade da lei Rouanet porque ela permite que o contribuinte dê uma destinação ao dinheiro do tributo, quando na verdade quem tem que dar é a União. Mas não é esse o questionamento desse processo. Eu estou questionando que o dinheiro é público. Uma vez indo para lá o dinheiro público, essas remessas estão sendo feitas e a gente não sabe se elas chegam à Rússia e quanto delas chega à Rússia. E é isso que o próprio vice-prefeito admite, se o dinheiro chega ou não nos russos não é problema nosso. É sim, porque o dinheiro que está indo é o meu, o seu, o nosso dinheiro. É o dinheiro público. Toda vez que você compra um selo, que você paga um sedex, você está pagando um pouco desse dinheiro porque ele vem dos Correios. E os Correios é uma empresa pública, ela é nossa. Interessa sim.

Revi: Voltando um pouco na questão de João Prestes como procurador. O município, pelo contrato firmado, não teria compromisso com ele?

Davy: Porque o município não fez um contrato com o Prestes, com a Paramount. O município fez um contrato com o balé russo. E a previsão é de pagar o balé russo. Se ele está pagando ao procurador e o procurador não está repassando tudo, esse procurador está se locupletando, está desviando. Se esse procurador está nos enganando, se ele, por exemplo, tiver feito um contrato, e eu não duvido disso... Em tese é possível, vamos estabelecer a seguinte tese: que a Paramount tenha comprado...Isso que eu vou dizer não é possível de ter acontecido. Só tem um jeito de saber se aconteceu ou não, que é vendo os extratos da conta da Paramount. E a Paramount começou na Irlanda mas tinha conta em Chipre. Por que uma coisa tão nebulosa? Porque eu abro uma empresa que foi aberta só para intermediar isso? Pois essa empresa não faz mais nada. Leia-se o seguinte: as empresas do Prestes, tanto a Paramount como as outras quatro que ele abriu aqui dentro, foram criadas apenas para prestar serviço ao Bolshoi. Tirando pequenos serviços de 10 mil reais ou 20 mil reais no máximo, algumas delas só trabalharam para o Bolshoi. O Prestes hoje é empresário de Bolshoi. Ele não é aquele empresário que saiu em setembro na reportagem destaque do A Notícia, uma página inteira falando assim: “Filho do velho prospera no comércio” [Referência ao líder comunista Luiz Carlos Prestes, pai de João Prestes]. Não, vamos dizer melhor, filho do velho prospera no Bolshoi. Porque esse cara só ganha dinheiro do Bolshoi, e muito dinheiro, mas bota dinheiro nisso. Tanto é que ele construiu um patrimônio imobiliário de mais de 1 milhão de reais nos últimos cinco anos. Tudo com dinheiro que ele ganhou do Bolshoi. Se ele é um empresário tão bem sucedido, por que ele não faz como os outros empresários que, ao invés de tirar dinheiro do Bolshoi, botam dinheiro?. Estava no site original do Bolshoi: quem trouxe o Bolshoi para Joinville foi, além do então prefeito [Luiz Henrique], Jô Braska e João Prestes. Da parte brasileira eles são os responsáveis e considerados heróis nacionais. Eles tiraram [do site], pois ficaram com vergonha. Estava lá no site, eu tenho essa página impressa. Vai entrevistar eles e pergunta assim: por que vocês tiraram do site aquele enaltecimento, aquele endeusamento do casal Prestes na Escola do Teatro Bolshoi? Aquela encheção de bola deles dizendo que eram heróis nacionais por terem trazido o Bolshoi. Eu nunca vi um herói nacional custar tão caro à pátria. Isso é um herói nacional que presta um desserviço, isso é um anti-herói.

Revi: O que o senhor acha do modo como os meios de comunicação de Santa Catarina têm tratado a questão do Bolshoi?

Davy: Olha, eu vou dizer para você o seguinte: existe uma grande diferença entre a imprensa de âmbito nacional e a imprensa de âmbito local. Porque a imprensa de âmbito local dá a notícia assim: “Investigação põe em risco imagem do Bolshoi”. Espera aí, se eu estou investigando que existe uma quadrilha de servidores dentro da Caixa Econômica Federal, roubando o banco público, eu não estou botando em perigo a imagem da Caixa. Pelo contrário, eu estou protegendo a Caixa Econômica. Eu sou guardião do dinheiro público. Eu sou pago para isso, eu sou bem pago para isso. Eu sou pago para salvaguardar o patrimônio público. Na maior parte desses processos aí está envolvido dinheiro público. Em quase todo o meu trabalho. O Bolshoi não é uma exceção, não. O Bolshoi só ganhou foro nacional pela repercussão dele. Eu nunca fiz nada para atingir a imagem do Bolshoi. Quem atingiu a imagem do Bolshoi foi a administração perdulária, nefasta e desviadora do dinheiro público. Foi uma administração criminosa que manchou a imagem da escola, se é que manchou. Eu não vejo a imagem do Bolshoi em xeque. Outra coisa que eles botam, se você ler o editorial de sábado agora, posto por um cara altamente imparcial, que é o chefe da agência regional em Joinville da Celesc. Um cara que o governador estala os dedos ele cai fora do cargo, pois é um cargo comissionado, um cargo de confiança.

Revi: Qual é o nome dele?

Davy: Jorge Antônio da Silva. Está na seção de opinião e cartas de sábado agora no jornal A Notícia. E eu já entrei com uma notícia-crime contra ele. Já entrei contra ele, já entrei contra jornalista, porque eu tenho visto uma distorção da realidade. Primeiro porque estão fazendo um maniqueísmo. Maniqueísmo é o tratamento de uma questão na qual você vê de um lado o bem extremo e de outro o mal extremo. Então existe uma tentativa política de satanizar a imagem do procurador da República, como se ele tivesse a perversa e cruel idéia de fechar a escola. Nunca, eu nunca pedi isso na Justiça. Nunca pedi para fechar a escola. O que eu peço é justamente o contrário, é para salvar a escola. Salvar a escola de quê? Da sangria que ela está tendo. O que fizeram foi o seguinte: colocaram um canudinho na carótida dela e estão chupando o sangue dela. Eu estou tentando então tirar os parasitas da escola, eu estou tentando curar a escola. Então, eu sou o termômetro que identificou a doença, eu não sou a doença. Eu sou a cura, não sou a doença, eu sou a cura. A doença é essa administração criminosa do Bolshoi. Então está se tentando satanizar, fazer maniqueísmo. Você vê manifestadamente nesse editorial no qual o cara bota o governador. Eu nunca falei o nome do governador, nunca citei o nome do governador ou prefeito. Eu hoje estou falando pela primeira vez do vice-prefeito, porque o vice-prefeito, na Gazeta de Joinville, disse um monte de besteira. Ele disse um monte de absurdos. Primeiro dizendo que é uma ONG, e não é uma ONG. Se for uma ONG, manda sair de prédio público porque ONG não pode funcionar em prédio público. Manda ir para um prédio particular dela, arranjar uma empresa particular para bancar para ela. ONG não vive de dinheiro público.

Revi: O senhor acha, então, que a inclusão do nome do governador Luiz Henrique, na matéria da Folha de S. Paulo, foi precipitada?

Davy: Olha, não é que seja precipitada ou não. Não me compete. É o seguinte: na Constituição diz que algumas pessoas ocupantes de alguns cargos, ou melhor, não as pessoas, mas os titulares de determinados cargos, enquanto estiverem naquele cargo e mesmo depois de saírem, em razão da conduta praticada naquele cargo, têm o chamado foro por prerrogativa. O que é isso? São pessoas que só podem ser julgadas no Tribunal e não por juiz de primeiro grau. Uma delas é o procurador da República. Se eu cometer um crime, eu não posso ser julgado por um juiz e não posso ser acusado por um par meu, um colega de primeiro grau. Eu só posso ser acusado por um colega do segundo grau, que atua no Tribunal e só posso ser julgado por um tribunal. O prefeito tem foro por prerrogativa e só pode ser julgado por um tribunal. No caso, Tribunal Estadual, ou, se o crime for federal, no Tribunal Regional Federal. E o governador tem um foro maior ainda. Não compete a mim exarar qualquer manifestação acerca da participação ou não do governador e do prefeito. Eu não fiz e não vou fazer nunca. Se eu entender que em tese é possível, que haja a provável chance, se eu antever ou vislumbrar que haja a participação de pessoa com foro por prerrogativa, eu pego aquele conjunto de provas e remeto para o procurador geral. Foi isso que eu fiz. O procurador geral vai designar o nome de um subprocurador que vai investigar. E esse “sub” não conota hierarquia em relação ao procurador geral, os dois estão em mesmo nível. Não é caso meu, eu não posso falar nada do governador. Eu acho o seguinte: tem se feito, ainda mais por parte de agentes públicos indisfarçavelmente, essa satanização do Ministério Público. Confunde-se investigar com macular. Investigar, acionar é uma coisa. Ah, se foi para a mídia não fui eu que botei. Eu não botei matéria paga na mídia. Se isso sair no seu veículo, foi você que me procurou. Eu até tenho rebatido as pessoas. Os jornalistas insistem. No primeiro minuto eu disse que não te atenderia. Eu estou evitando a mídia por causa disso. Mas eu também acho que é um direito do cidadão. O direito à informação é imperioso quando se trata do dinheiro público. Eu acho que um cidadão que enxerga um palmo à frente do seu nariz, o cidadão que tem o mínimo de conhecimento, de cultura, ele sabe ver a diferença entre a Escola do Balé Bolshoi e uma investigação que é feita das pessoas que estariam se locupletando da administração dessas verbas, que são verbas públicas. Se fossem verbas particulares e o cara estivesse roubando lá, era com o Ministério Público Estadual, seria problema deles, eu não teria nada a ver com isso. Mas são verbas públicas federais e eu sou pago para defendê-las, eu sou guardião dessas verbas. Então, veja bem, o que eu realmente pretendo não é fechar a escola, é salvar a escola. Como? Afastando e condenando essas pessoas que se locupletaram. Forçando-as a devolver o dinheiro para a escola. Eu estou querendo é que a escola receba de volta o dinheiro que foi desviado por contratos ilícitos. Eu quero proteger a escola. Eu quero aumentar o patrimônio dela. Se existe um projeto legal, lícito, funcionando bem com verba pública, eu devo zelar para que aquela verba seja integralmente investida no projeto. E não para enriquecimento pessoal dos seus administradores, e o que está acontecendo é isso. Eu levei para a Justiça já e não estou dizendo no jornal sem base. Já está tudo em duas ações na Justiça Federal, agora cabe ao juiz julgá-las. Quem vai dar a palavra final é o tempo. O tempo é o senhor da razão.

Revi: Então agora o processo corre na Justiça Federal?

Davy: Já ajuizei duas ações, tem um inquérito ainda não ajuizado. Porque não é só um contrato, são vários contratos ilícitos, várias ilicitudes. Desde viagem não autorizada. Olha o que tem a ver uma viagem da Jô Braska para Nova York, dizendo que está indo para captar recurso. Então ela pode, sob o argumento que está correndo atrás de recurso, conhecer o mundo inteiro? Ela pode numa semana ir para Nova York, noutra semana para Paris? O que você foi fazer em Paris? Ah, fui tentar arrumar recurso para o Bolshoi. E depois o que você foi fazer em Roma? Fui tentar arrumar recurso para o Bolshoi. E o que você foi fazer na Suíça? Arrumar recurso para o Bolshoi. Em Amsterdã também? E na Disneylândia? O que você foi fazer na Disneylândia às custas do Bolshoi? Fui falar com o Mickey para ver se ele não queria contribuir. Quer dizer, essas viagens não estão previstas no contrato, elas não poderiam ser feitas. O casal Prestes tem um poder de mando incrível lá dentro. Mas veja bem, ele, o vice-prefeito, dizer que é uma exigência dos russos, é uma falácia. Isso é uma piada de mau gosto. Eu não sei o que é pior, se o crime cometido contra o Bolshoi ou a forma cínica com a qual se tenta desviar o foco. A tática diversionista que tenta desviar o foco e dizer que eu estou querendo acabar com o Bolshoi. Que essa investigação mancha a honra da cidade, mancha a honra do joinvilense. Gente, eu estou tentando salvar o povo joinvilense de cidadãos inescrupulosos que estão desviando o dinheiro do Bolshoi. Eu acho que o pior é isso, não é o crime, mas sim a forma cínica, cara-de-pau com a qual se tenta esconder o crime. Isso é muito pior do que o crime em si. Então veja bem como é que o russo vai botar banca de um contrato para manter o Prestes se o Prestes não é nada no contrato. O contrato foi firmado entre município de Joinville de um lado, Balé Bolshoi de outro, e a Paramount como procuradora. Se ele não é mais dono da Paramount, o russo não tem que exigir nada a presença dele. Não seria violar contrato afastar ele. Isso é mentira. É só análise do contrato gente, vamos ler o que está escrito lá. Você não pode mudar a realidade de um contrato. Estão mentindo diante da realidade que grita aos nossos ouvidos e aos nossos olhos. Eu estou vivendo um processo kafkaniano de distorção da realidade, literalmente kafkaniano. Eu me vejo hoje vivendo dentro de um romance de Jorge Amado, no qual as alegações do poder público são unilaterais.

Revi: E quanto às acusações feitas nos meios de comunicação de que o caso Bolshoi tem sido usado de forma política?

Davy: Por quê? Eu sou vinculado a algum partido? Nas minhas ações aqui eu já apreendi verbas do governo federal, da propaganda enganosa que o governo do PT colocou na mídia. Saiu na Folha de S. Paulo que eles tiveram que tirar uma propaganda enganosa da televisão. Aparecia uma mulher plantando num campo, dizendo que aquilo era de um programa de fomento à agricultura, e não era. Aquilo era uma propriedade privada. O cara veio e denunciou na Folha de S. Paulo e tal. Eu entro com ações contra a União, contra o estado e o município. Quando o governo era do Esperidião Amin eu entrei com várias ações contra o governo do estado. Quando o governo era do Fernando Henrique Cardoso eu também entrei com várias ações contra a União. Quando o governo passou para o PT, entrei com várias ações contra o PT. Pedi para seqüestrar as verbas destinadas à propaganda na televisão do governo federal, nas mãos do PT, para pagar tratamento de saúde. Então, cada partido vem e diz que eu sou ligado ao outro. Diga-me então a qual partido eu estou vinculado? Dizem que eu tenho pretensões eleitorais. A quê? Eu vou me candidatar a quê? Eu sou feliz como procurador da República, eu não tenho pretensão eleitoral nenhuma. Nem a síndico do meu prédio eu aceito concorrer. Minha profissão é esta, meu sacerdócio é este. O Ministério Público para mim é um sacerdócio.

Revi: E quanto às acusações de autopublicidade?

Davy: Dizem que eu faço isso para aparecer na mídia. Se eu quisesse aparecer na mídia eu continuava no Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro eu saí na Isto É, saí na Veja, na Carta Capital, na Folha de S. Paulo, no Jornal do Brasil, no Globo, saí na capa de todos os jornais. O único em que eu não saí na capa foi na Folha de S. Paulo. Em todos os jornais do Rio de Janeiro, incluindo O Dia, o Extra, eu saí na capa. Eu fui capa de todos os jornais e nunca pedi para ser. Eu nunca saí em coluna social. Eu apareço em razão do meu ofício. No Rio de Janeiro eu era um procurador da República famoso em tudo quanto é lugar. Eu fui convidado para ir ao programa do Boris Casoy, declinei. Já fui convidado para ir ao programa de entrevistas do Jô Soares, declinei, não quis ir. Já fui convidado para ir a tudo quanto é programa de televisão do Brasil. Se eu gostasse de holofotes eu ainda estava no Rio. A imprensa é que me procura, eu nunca fui atrás da imprensa. Quem ligou para cá e quis fazer uma matéria foi a Folha de S. Paulo. Os caras da Veja me procuram, da Isto É. O pessoal do Estado de S. Paulo e da Isto É agora querem fazer reportagens. Eles é que estão atrás de mim. Eu não corro atrás de mídia não, pelo contrário, eu relutei em te receber. Na primeira vez a minha secretária não disse que eu não poderia receber? Pois é, se você não mandasse o e-mail, não forçasse, eu não ia receber. Eu pensei assim: eu tenho atendido os caras e não vou atender o rapaz por quê? Ele vai pensar que é só porque ele é estudante. Ao contrário, eu acho mais importante ainda que o meio universitário saiba do que está acontecendo. Porque se o meio universitário estiver alheio, estiver iludido pelo que a mídia está apresentando, pelo que se está vendo por aí, acabou, cara! A salvação de um país é o meio universitário. Amanhã você está desse lado da mesa. Amanhã você está no editorial da Folha de S. Paulo. Eu conheci, ainda como estudante, um jornalista que hoje está na Veja. Eu conheço a imprensa do Brasil inteiro e a imprensa do Brasil inteiro me respeita, fora de Santa Catarina. Ninguém coloca assim: investigação quer fechar o Bolshoi. Na primeira vez que saiu no Diário Catarinense, a manchete dizia assim: “Investigação do Ministério Público ameaça fechamento do Bolshoi”. Olha a distorção da realidade, olha o jeito de colocar a matéria. Mas por que ameaça fechamento do Bolshoi? Eu não pedi o fechamento do Bolshoi, ao contrário. Eu pedi que fossem condenadas as pessoas e devolvessem o dinheiro que roubaram, mais de 2 milhões de reais do Bolshoi. A escola, com esses 2 milhões, ela se sustenta um ano inteiro a mais. Então o seguinte: quem insiste em manter lá dentro os caras que estão se locupletando? Eu acho que vocês têm que entrevistar o governador, o prefeito, o vice-prefeito. Pergunta para o vice-prefeito assim: olha, onde é que está o Prestes no contrato? Aí ele pode dizer: olha, o Prestes está aqui porque a Paramount... Não senhor. A Paramount não é do Prestes, ele diz que não é dono da empresa. Ele é o procurador da Paramount, mas no contrato está previsto o município, o Bolshoi e a Paramount como procuradora. Mesmo que o município quisesse tirar a Paramount, ele poderia tirar. Os russos não podem exigir a Paramount porque o contrato não é com a Paramount. O município não pode parar de pagar a Rússia. O que eu quero é que ele pare de pagar esse intermediário. Porque em tese o Prestes poderia ter comprado os direitos, e ele comprou os direitos do uso da marca por 50 mil dólares e está revendendo por 120 mil dólares. O que impede isso? Como é que eu vou saber? Eu só vou saber na hora que eles apresentarem os extratos bancários. Por que eles não apresentam? Eu chamei o vice-prefeito para um programa ao vivo de TV. Eu vou dizer para ele: por que o senhor não apresenta os extratos? O que o senhor tem a temer? Se o dinheiro é público, então apresenta os extratos de Chipre para Rússia. Mostra que esse dinheiro é integralmente repassado. Apresente-me também o contrato celebrado entre a Rússia e a Paramount, traduzido para o português. O que está nesse contrato? Nesse contrato ele comprou o quê? E está revendendo para gente por quê?

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