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Matéria 0966, publicada em 08/03/2005.


:Jessè Giotti

Pedro comenta a ascensão esquerdista

Tabaré Vázquez é primeiro presidente socialista do Uruguai

Vanessa Bencz


O dia 1o de março de 2005 é uma data que entra para a história do Uruguai – pela primeira vez depois da ditadura, encerrada há 20 anos, um candidato esquerdista vence a eleição para presidente. Tabaré Vázquez, em seus discursos, promete muita mudança e a eliminação da pobreza, reacendendo a esperança dos 3,3 milhões de habitantes uruguaios. No Ielusc, um uruguaio também comemora a ascensão esquerdista: o professor de Semiótica Pedro Russi, que falou à Revi sobre o acontecimento.

Pedro, a vitória do presidente socialista Tabaré Vázquez no Uruguai compara-se com a eleição de Lula, por ambos serem esquerdistas?

Pedro Russi: Esta é uma questão que vem faz tempo. A América Latina tem agora cinco países que podemos chamar de esquerdistas. Chile, Argentina, Brasil, Venezuela, e agora o Uruguai. A Bolívia poderia se tornar agora o sexto país socialista, e logo a Colômbia também passará por eleições, podendo dar forças para um governo de esquerda. O fato é que existe um caminhar após a ditadura e a política neoliberal na América Latina. O Lula, como governa um país maior, com um nível internacional e empresarial, poderia dar uma certa tranqüilidade ao socialismo. Mas não apenas pelo fato de que ele é homem de esquerda. Esse é um processo que está para acontecer faz tempo, numa questão de causa e efeito. Mesmo porque esses países de esquerda, que eu já citei, também têm diferença entre eles. O grande medo agora são os Estados Unidos.

Estes países governados por socialistas comporão o “eixo do mal”, diante dos Estados Unidos?

Pedro Russi: Na lógica de Bush, sim. O conceito democrático dele é interessante: qualquer pessoa que vá contra as suas propostas é terrorista. A democracia do Bush é muito particular, e certamente o Brasil, o Uruguai e a Venezuela compõem o “eixo do mal”. Bom, para o presidente dos Estados Unidos, até Chapeuzinho Vermelho é terrorista, pois ela resolveu tomar um caminho diferente do que a mãe dela falou. Qualquer um que não aceite a disposição do Bush, é parte do “eixo do mal”.

Mudará a correlação de forças na América Latina?

Pedro Russi: Não serão mudanças de um dia para o outro. Veja por exemplo o governo de Tabaré Vázquez: ele tem a maioria do parlamento, dos deputados e dos senadores. Então, ele pode governar, de fato. Mas o Lula tem que negociar. Asseguro que vai se configurar um outro olhar, mas é um processo lento. Hoje o Paraguai não é um outro país, mas ele está caminhando para ser. E a América Latina também segue um caminho para ser diferente.

Como foi a reação dos militares e dos demais segmentos conservadores no Uruguai?

Pedro Russi: O interessante é que existem militares de esquerda. Dentro de uma estrutura militar, existe a ala socialista e a conservadora. Muitos militares foram torturados, presos, mortos e exilados na época da ditadura. Então não existe um único bloco militar. É claro que um governo socialista vai dar à estrutura militar outra dimensão, por exemplo: quem ficou como ministro da defesa, comandando a força militar agora, foi uma mulher. Isso mexe totalmente com a estrutura machista. Quer dizer, a estrutura militar é tencionada, mas não o indivíduo militar. Eu não acredito na política do medo induzida pelos militares, e isso se utilizou muito, na ditadura e pós-ditadura. Mas isso não quer dizer que agora eles vão se revoltar, pois tem muito militar passando fome.

Com a ditadura e a repressão, muitas pessoas foram embora do Uruguai. Você acha que agora, com o governo socialista, os uruguaios voltarão ao país?

Pedro Russi: Para escapar da ditadura, o indivíduo tinha duas opções: o exílio, ou a morte. O exílio pode ser político - você é obrigado a ir embora - ou por opção - você vai embora do país à procura de oportunidade. Optei por esse último. Eu não me importava em ajudar naquela época, mas agora sim. Estou disposto a trabalhar pelo novo governo do Uruguai. O trabalho pelo país não é simplesmente ir para lá, e sim se comprometer em questões políticas. Eu não voltaria para o Uruguai, porque agora eu estou bem no Brasil. Mas eu posso tentar ajudar para que aqueles que estão lá estejam bem. Certamente haverá pessoas que voltarão para lá, mas não faz sentido voltar se estamos estabelecidos aqui. O desafio agora é ver como eu posso ajudar o meu país, de fora. Se o país está diferente agora, a América Latina inteira irá mudar. Grande parte da minha família e amigos estão no Uruguai, então me preocupo para que eles possam ter esperança. No momento da eleição, pessoas de toda parte do mundo fizeram questão de votar. Teve gente que foi de Porto Alegre (RS) ao Uruguai a pé. Outros, de bicicleta. Isso demonstra um movimento de corpo que é muito forte. Houve casos em que pessoas doaram dinheiro para que outros pudessem votar por elas. Não é necessário estar lá para ajudar.

Mas o que realmente levou você a se exilar do Uruguai?

Pedro Russi: Foi por questão de oportunidade. Vim para o Brasil e depois voltei ao Uruguai, mas não se fecharam questões de trabalho, de progresso. Desde cedo meu objetivo era ser professor de universidade, pesquisador, e lá não tinha esse espaço. Mas agora tem. Eu tive a opção de me exilar, diferente do exílio político.

Então, no momento, você se sente realizado no Brasil e não tenciona voltar ao Uruguai, apesar da mudança que ocorreu lá?

Pedro Russi: Eu saí do Uruguai, mas não fiquei com aquele sentimento de nostalgia. Muito pelo contrário. Claro que no dia das eleições, eu gostaria muito de ter estado lá. Mas estou feliz aqui, trabalhando aqui, construindo aqui. Estou construindo um Brasil? Com certeza. Mas também estou construindo um Uruguai, construindo uma América Latina inteira. A minha prioridade agora é o Brasil, mas num olhar mais complexo, prezo primeiramente pela América Latina.

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