Um levantamento feito pelo Ministério da Saúde em todo país e finalizado em março de 2004 indica que 13% dos adolescentes nunca foram ao dentista, 20% da população brasileira já perdeu todos os dentes e 45% dela não tem acesso regular à escova de dente. Soma-se a essa realidade ainda o descaso dos órgãos públicos para com os pacientes carentes. Um dos postos de saúde do bairro Aventureiro, em Joinville, serve de exemplo de tal comportamento. Só para marcar uma consulta com o dentista chega-se a esperar quase um mês. A marcação é feita no dia 1° de cada mês. Assim, se o interessado procurar o posto no dia 2 de outubro por exemplo, será orientado a retornar dali a 30 dias. A única exceção é feita para quem tem mais de 60 anos, que pode agendar consulta em qualquer dia.
Exemplo do irônico privilégio, Maria Guell, 70 anos, dona-de-casa, há um mês faz tratamento no posto do Aventureiro. “O dentista falou que vai arrancar a maior parte dos meus dentes da frente por causa de uma inflamação. Vou precisar usar prótese, mas o posto não dá. Não sei como vou conseguir comprar uma, já que o meu marido está com câncer.
Segundo Mevis Bazanini, 40 anos, um dos três dentistas que atende no local, o governo não disponibiliza próteses dentárias e aparelhos ortodônticos para carentes. Ele trabalha há cinco anos no posto do Aventureiro. Atende 70 pessoas por mês, incluindo os da emergência, mas com um detalhe: recebe no máximo três pacientes emergenciais por dia, dependendo de quantos têm para a consulta. Do contrário, dá preferência para os que estão com hora marcada.
“Aqui é uma comunidade muito carente e de muita imigração, por isso muitos dos pacientes que vêm ao consultório dificilmente voltam”, explica Bazanini. O principal problema tratado por ele é a cárie, devido aos cuidados precários de higiene. A maioria dos pacientes sequer usa escova de dente. Os dentistas fazem palestras nas comunidades todo mês para conscientizar sobre a importância da higiene bucal.
Denise Vizotto, responsável pela área técnica de odontologia da Secretaria de Saúde de Joinville, garante que a demora não é rotina em todos os postos. “A Secretaria de Saúde criou um plano de atendimento – o Saúde Oral Século 21 – com algumas vertentes como o Pequeno Príncipe, atendendo crianças de zero a seis anos”. Para a chamada “demanda espontânea”, demais pacientes que não se enquadram no plano, não há profissionais em número suficiente. “Devido à falta de dentistas os postos resolveram criar uma forma alternativa de agendamento: o livro de espera. Só no bairro Jarivatuba são 1.500 inscritos", conta Denise.
No início de 2005, o Ministério da Saúde irá fazer a inclusão de dentistas no programa Saúde da Família, existente desde 1994 em todo o Brasil. Em Joinville, são 43 equipes de médicos, enfermeiros, agentes de saúde e auxiliares de enfermagem que prestarão serviços nas casas de famílias carentes e nos bairros de toda a cidade. Cada grupo atende mil famílias.
Além de condições precárias da saúde pública, a população carente encontra outro problema: os dentistas práticos. Eles não têm registro no CRO-SC (Conselho Regional de Odontologia de Santa Catarina), órgão responsável pelo exercício profissional dos cirurgiões-dentistas do estado. Segundo Pedro Ivo Alves, delegado da seccional Norte e professor da Univille, existe muita dificuldade em descobrir os dentistas práticos. Só é possível encontrá-los através de denúncias feitas por pacientes prejudicados por eles. Recentemente, o conselho lançou uma campanha contra o exercício ilegal da odontologia com o objetivo de incentivar denúncias contra os práticos, para que não coloquem em risco a vida dos que se submetem a esse tipo de consulta.
O Ministério da Saúde lançou em março deste ano a campanha Brasil Sorridente. Conforme informações do site do governo federal – www.saude.gov.br – o órgão deseja ampliar e garantir a assistência odontológica à população brasileira. Equipes formadas por dentistas, auxiliares de consultório e técnicos em higiene bucal (um grupo para cada município) estarão aptas a, além de tratamentos dentários de rotina, diagnosticar o câncer de boca, problema bucal que mais atinge os brasileiros.
O governo federal investiu R$ 166 milhões na campanha Brasil Sorridente, sendo que em 2003 o aporte de recursos chegou a R$ 84,5 milhões. A campanha pretende facilitar o acesso ao tratamento odontológico da população carente, já que a maior parte do contingente não sabe que tem direito a tratamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Conforme pesquisa feitas em 1998 pelo IBGE, 30 milhões de brasileiros nunca tinham ido ao dentista.