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Matéria 0668, publicada em 25/05/2004.


Momentos de terror durante abordagem da polícia militar

Adriano Borges, acadêmico de jornalismo

Eram 22h30, do sábado 22 de maio e vínhamos do cinema. Tínhamos acabado de ver uma boa comédia, um desses enlatados americanos. Ainda dávamos gargalhadas lembrando da história, sem saber que os minutos seguintes seriam de intenso terror.

Estávamos na Rua Princesa Izabel, quando policiais fizeram sinal para que parássemos o carro. Estacionei o veículo e, sem reação, desembarcamos os três para tentar saber o que estava acontecendo. Quando estávamos descendo do carro, surpresa! Três policiais fortemente armados gritavam descontroladamente para que colocássemos as mãos para cima e encostássemos no carro para sermos revistados.

Um clima de tensão e nervosismo se instalou em todos nós: Keltryn Wendland, uma jornalista formada, apresentadora do Telejornal da TV Câmara; eu, Adriano Borges, universitário em fase final de conclusão do curso de jornalismo; e Edson Mendes,um amigo, universitário de turismo. Ficamos os três sem reação, ou melhor, ficamos em uma situação de perigo diante de três policiais fortemente armados que deveriam estar fazendo a nossa segurança. De acordo com eles, nós três estávamos em “atitude suspeita”. Ou seja, éramos três jovens, que acabavam de sair do cinema em um sábado à noite em “atitude suspeita”.

Questionei um dos policiais que insistia em berrar conosco para que ficássemos calados. Mas o que fizemos para sermos tratados desta forma? Como resposta, mais berros e palavrões.

– Vocês sabem os direito de vocês? – insistia o policial. Se não sabem, calem a boca. Se sabem, calem a boca também.

Na verdade, não parecia que os três policiais estavam lidando com três pessoas, mas sim com três animais. Mesmo assim tivemos que agüentar mais humilhações.

Keltryn entrou em estado de choque e não parava de chorar enquanto os policiais não abaixavam as armas, tentando se defender de três estudantes que acabavam de sair do cinema.

Depois de muitos berros e humilhações nos pediram então nossos documentos. Antes que nossa amiga pudesse abrir a bolsa para retirar a carteira de identidade o policial que atendia por “policial Chiquinho” arrancou a bolsa das mãos dela, jogando no chão tudo o que tinha dentro. Antes que ela pudesse falar qualquer coisa, ou pegar o documento, ele, o policial “Chiquinho” achou a carteira, que estava com a foto muito antiga.

– De quem é esta carteira de identidade? Da sua mãe?

Keltryn, chorando, desesperada, responde que não. A carteira é dela. E “Chiquinho”:

– Prove que é tu mesma na foto da carteira.

Fomos vítimas de vários absurdos. Esses foram apenas alguns, de vários que passamos em poucos minutos de perigo intenso em contato com o que seria um grupo disposto a proteger os cidadãos e a comunidade.

Ao questionarmos mais uma vez o por quê de tanta grosseria e violência, o policial “Chiquinho” solta mais uma preciosidade – “Hum! Esse ali não dever ter nem segundo grau completo!” – Pergunto, dois universitários e uma profissional diplomada da imprensa local, que temos o papel fundamental e por várias vezes falamos sobre o trabalho “comunitário” da Polícia Militar de Joinville somos tratados assim, desta forma, imaginem realmente quem não tem segundo grau completo, ou pelos menos o primário, como dizia em alto e bom tom “berrante” o policial militar “Chiquinho”.

Os próximos minutos continuaram tensos. Depois de sermos revistados, apalpados, jogados em cima do carro de braços para cima, de minha amiga ter a bolsa e objetos pessoais jogados ao chão, tentando provar que éramos inocentes, na verdade nem sabíamos do que éramos acusados naquele momento. A única coisa que nos foi dita é que estávamos em “atitude suspeita”.

O policial que coordenava a “ação truculenta e violenta” da Polícia Militar de Joinville alegou que a placa do nosso carro não refletia. Enquanto tentávamos chegar em algum consenso, “Chiquinho” continuava com suas investidas, dessa vez revirando o carro sem autorização, raspando a placa, para ter certeza se era original ou não Quando tentávamos explicar que não deveríamos estar passando por aquilo, mais berros eram despejados em nossos ouvidos. E claro, para nos intimidar, sempre com armas em punho. Quando berravam conosco podíamos sentir o bafo e as cuspidas de cada um dos três policiais nas nossas caras.

Depois que nossos documentos e os do veículo foram consultados e “averiguados”, recebendo o “nada consta” do Copom (Central de operações da Polícia Militar) através do rádio, o trio de policiais ficou sem ação. Apenas nos “liberaram” da “atitude suspeita” e nos mandaram ir pra casa. Perguntamos o nome dos policiais. Alguns segundos de silêncio, eles se entreolharam e informaram: “Soldado Chiquinho” e “soldado João”. O terceiro nem sabemos até hoje quem foi. E, para terminar a “ação de rotina” da PM, saíram cantando pneus pela rua Princesa Izabel, em frente à faculdade que estudamos. A única informação que temos do grupo, é a placa da viatura que conseguimos anotar, MCD 1743.

Ainda desorientados, na mesma noite fomos até o 8º Batalhão da Polícia Militar para tentar obter alguma explicação sobre o acontecido. Lá, o policial militar que fica na recepção nos mandou voltar na segunda feira, 24 de maio, para denunciarmos o caso à corregedoria da polícia. E ainda adiantou:

– Venham na segunda-feira, que mais duas senhoras também virão. Elas estiveram aqui na quinta-feira porque sofreram a mesma forma de abordagem e também querem reclamar.

A única informação que conseguimos dessas senhoras, foi que são mães de alunos do Colégio Positivo.

Voltamos ao batalhão e conseguimos falar com o major Fachinni e com o tenente Zelindro, responsáveis pela corregedoria. Depois de uma longa conversa nos foi explicado que a forma de abordagem da Polícia Militar em Joinville é e sempre será com arma em punho e a revista. A arma é uma extensão do corpo do policial, uma forma de ele se proteger da violência. Depois da revista, quando finalmente é constatado que o cidadão, vítima da abordagem, não oferece mais perigo ao policial, a arma é guardada. O policial então se apresenta, pede desculpas pela ação, e aí sim, pede os documentos e faz as devidas averiguações.

Essa seria a forma correta de abordagem. A sugestão do major e do tenente é que deveríamos prestar um depoimento sobre os fatos e eles identificariam os três policiais e chamariam a atenção. Se preferíssemos, poderíamos processar os três por abuso de autoridade.

Diante do acontecido pergunto: qual é a forma de proteção que o cidadão tem nos dias de hoje se ele é objeto de humilhação de policiais que abusam de seus postos?


 

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