A sala está escura. Cerca de 40 adolescentes armados, todos prontos para eliminar os inimigos. A guerra vai começar. De repente, tiros e granadas. Missão cumprida. No total, 25 mortos. Quando essa ação se completa o que se vê são sorrisos estampados nos rostos dos participantes. A guerra virtual faz parte da rotina da maioria das casas de jogos eletrônicos em redes do Brasil, as LAN Houses. LAN é a sigla de “Local Área Network”, rede local. As LAN Houses, portanto, são casas com computadores em rede, onde há troca de informações em alta velocidade.
Em Joinville, há pelo menos sete casas do gênero. As duas maiores, Illusion e Clan´s Br, ficam na rua Visconde de Taunay, no centro, uma em frente à outra. Tanto nas lojas de informática como nas LAN houses, o jogo mais procurado é o Counter Strike (CS), no qual há dois times adversários, terroristas e policiais. Para usufruir de uma hora de diversão, paga-se em média R$ 2,00. Todas as LANs fazem cadastros de seus clientes.A Illusion possui cerca de 4 mil usuários, na Clan´s Br esse número chega a 6 mil. Na maioria, adolescentes de 12 a 16 anos.
Esse mercado, antes pertencente aos fliperamas, hoje é liderado pelas LAN Houses. Anilton Moreira, 45 anos, gerente de uma loja de fliperamas, no shopping Cidade das Flores, conta que o movimento baixou, em relação à época em que não existiam os jogos em rede, mas não teme o fim de seu comércio. “Acredito que eles não promovam a violência, ao contrário daqueles em rede. Aqui, os jogos mais violentos só são liberados para maiores de 18 anos”, garante Anilton, há 15 anos no ramo de fliperamas.
A venda de jogos para computadores representa 20% do total do faturamento da loja de informática World´s Games, do shopping Muller. “Muitas crianças e adolescentes vêm atrás dos jogos. Nós vendemos a qualquer criança, a não ser que haja alguma restrição”, salienta a gerente financeira, Jane Bertol, 32 anos. A loja, segundo ela, nunca foi fiscalizada.
Apesar das críticas, o gerente da rede Clan´s Br, Rafael José Leal, 20 anos, acredita que os jogos não promovem ou banalizam a violência. “Temos 60 computadores em rede. As crianças vêm para brincar e se divertir, os mais velhos procuram descarregar o estresse do dia-a-dia. Nunca houve uma briga aqui. Não é um vício, é um hobby”, explica. Rafael complementa que a Clan´s Br é um grande ponto de encontro.
Carlos Alexandre Manes, 23 anos, freqüenta a loja desde a sua inauguração em 2002. Cliente diário, Novato, como é conhecido, já gastou aproximadamente R$ 1.700,00 jogando. “Venho todos os dias e não me considero um viciado. Após o trabalho, minha namorada me encontra aqui, tem dias que nem jogo”. Novato chegou a ficar quatro horas seguidas em frente ao computador.
A Illusion, por exemplo, oferece campeonatos e promoções como qualquer outro ramo para atrair clientes. Esse trabalho é realizado por Darci Venâncio Rosa Filho, 27 anos, para quem os jogos não passam de um hobby. “Não gera violência, fica claro que tudo é virtual”, ressalta Darci.
O estudante Rafael Bacin, 16 anos, conhecido como Lord no mundo virtual, freqüenta a Illusion de segunda a sexta e gasta em média R$ 6,00 por dia, em três horas de diversão. Pela manhã, Lord vai ao colégio. À tarde, faz curso de italiano e informática. Ele gostaria de diminuir a freqüência dos jogos, mas tem muitas amizades e não gostaria de deixá-las.
Alertas
A psicóloga Márcia Amaral, mestre em Educação e Cultura e professora de Psicologia Social do Ielusc, convive diariamente com alunos e adolescentes viciados em jogos eletrônicos. Ela se assusta com alguns efeitos produzidos pelo uso excessivo da diversão eletrônica. “São produções realistas e a sua fisionomia não se diferencia da violência que temos acompanhado pela mídia”. A psicóloga percebe, muitas vezes, a aceitação dos pais em relação aos jogos. “Muitos acompanham os filhos em competições. Orgulham-se de dizer que ganharam prêmios, como troféus e medalhas”, indigna-se.
Márcia admite que os jogos proporcionam e desenvolvem reflexos rápidos, raciocínio lógico e pensamento indutivo e dedutivo. “As habilidades desenvolvidas por crianças, adolescentes e adultos são, na realidade, resultados da nossa história evolutiva. Seriam poucas as dúvidas quanto ao desempenho desta nova geração. Eles são muito mais rápidos do que nós”, afirma. Porém, a psicóloga recomenda limites para o jovem não acabar substituindo seus estudos, lazer, família, amigos e noites bem dormidas pelos jogos.
Fiscalização
Em novembro de 2002, o juiz titular da Vara da Infância e Juventude de Joinville, Alexandre Morais da Rosa, proibiu “o ingresso e permanência de menores 12 anos, desacompanhados dos pais ou representante legal, em qualquer dia da semana e horário”. A portaria assinada pelo juiz impede também a permanência de menores após as 22h. A medida foi tomada a partir dos resultados de uma diligência feita na Clan´s Br. No local, havia um grande número de crianças menores de 12 anos.
Se menores forem encontrados, os proprietários das LANs serão multados. Em caso de reincidência, o estabelecimento será fechado. O juiz confessa não ser freqüente a fiscalização, já que há assuntos com maior demanda e relevância para averigüar, como denúncias de violência e estupros contra crianças.
“Eu seria leviano em dizer que sou contra ou a favor das crianças freqüentarem essas casas de jogos. Segundo o artigo 1.634 do Código Civil, compete aos pais quanto à pessoa dos filhos menores, bem como, dirigir-lhes a criação e educação”, argumenta ele que não gostaria de ter um filho passando horas em uma LAN House.
A Clan´s Br expõe a portaria na entrada da loja. Enquanto Darci Venâncio Rosa Filho, da Illusion, diz conhecer a portaria e cumpri-la rigorosamente, apesar de não tê-la exposta como decreta a Vara da Infância e Juventude.