Expressões de espanto e admiração é o que se vê na saída dos cinemas de Joinville. Isso porque A Paixão de Cristo, do ator e diretor Mel Gibson (Mad Max, Coração Valente e Do que as mulheres gostam, entre outros), vem surpreendendo espectadores de todas as idades e religiões. Mas, não só na idade e crença o público se diferencia. De uma frase cheia de técnica até a mais simples emoção, é desse jeito que se mostra cada trabalhador, dona de casa, estudante, religioso ao assistir ao longa. Todos têm opiniões e convicções, mas será que o filme traz respostas ou perguntas para todos esses diferentes públicos?
Roteiro todo escrito por Mel Gibson e participação de Benedict Fitzgerald, o filme retrata de forma violenta e cheia de detalhes as últimas 12 horas de vida de Jesus Cristo. Só a cena da flagelação de Jesus pelos soldados romanos dura mais de 15 minutos. O diretor, católico tradicionalista, baseou A Paixão de Cristo nos evangelhos de Matheus, Marcos, Lucas e João. Fez uma adaptação, mas não deixou de dar um toque pessoal na trama com fetiches tirados de sua imaginação. É o caso do Diabo, representado como uma mulher. Satanás aparece na pele da atriz Rosalinda Celentano com a cabeça totalmente raspada, sem sobrancelhas e com olhar sombrio. A inovação de Gibson não pára por aí. Apresentou os personagens com idiomas originais, o aramaico e o latim. Os judeus de 2 mil anos atrás usavam o aramaico, hoje considerado pelos especialistas uma “língua morta”, e os romanos falavam o latim.
Não só as cenas de violências brutais e marcadas de sangue despertaram críticas e reflexões. Seguindo quase à risca o relato evangélico de Mateus, o governador romano da Judéia, Pôncio Pilatos, é mostrado como o relutante executor de Jesus, crucificando-o apenas “porque os judeus o queriam”. Essa questão indignou a comunidade judaica no Brasil. Eles temem que o filme cause o anti-semitismo em espectadores leigos. Nesse ponto, os profissionais que lidam com história discordam. “Não se pode julgar os judeus de hoje como os daquela época por um acontecimento marginal e que naquele tempo foi inexpressivo, só vindo a ganhar maior evidência com o decorrer dos anos”, comenta o pastor Carlos Musskopf, do Instituto Bom Jesus/Ielusc, que estudou teologia e sociologia na Escola Superior de Teologia em São Leopoldo (RS). A obra necessita de outros olhares, pois acaba se restringindo a juízos viciados, ou seja, idéias já existentes e únicas. Ficou limitada à visão apenas de um cristão totalmente tradicionalista, que é Gibson. Segundo o pastor, o filme tem um componente importante: alertar para a violência.
Só que a discussão a respeito de quem matou Jesus – se os romanos ou os judeus – está deixando de fora dois pontos fundamentais. “Primeiro, não se pode culpar apenas os romanos ou os judeus pela sua morte, pois todos nós o matamos. Ele morreu pelos pecados de todos nós, os pecados estavam sobre ele e pelas suas feridas fomos salvos” enfatiza o padre Bertino Weber da Catedral São Francisco Xavier. Ironicamente, segundo o sacerdote, a população se espanta mais com o que vê no filme de Gibson do que com os atentados terroristas e toda a violência mundial. “As pessoas crêem que o filho de Deus era um inocente e é muito mais difícil ver um cristão que morreu por todos nós ser massacrado do que um terrorista. Como é o caso do assassinato do líder do Hamas, xeique Ahmed Yassin, por Israel na segunda-feira (1/03). Tenho certeza que a Sexta-feira Santa deste ano será vista de forma diferente por todos aqueles que foram ao cinema”, prevê o padre.
Qual a opinião do público? Como está a cabeça de cada pessoa que assistiu ao filme?
Segundo o controlador de vôo Sérgio Angra, 41 anos, adventista, o detalhe interessante sobre toda a polêmica trazida pelo filme é que a discussão sobre se foram os romanos ou os judeus os assassinos de Jesus, está deixando de lado dois pontos fundamentais. O primeiro é que todos nós somos culpados pela morte de Cristo, não só judeus e romanos da época. O segundo ponto, “é que Jesus deu a vida por nós consciente e voluntariamente. Portanto, ninguém poderia prendê-lo, torturá-lo e matá-lo, se ele assim não o permitisse”.
Já a estudante de psicologia Fernanda Teixeira, 26 anos, tem opinião diferente. “Não tenho certeza que na bíblia toda aquela gente ficou contra Jesus e a favor da sua crucificação”, questiona. Ela acha que, sem dúvida, o longa de Gibson exagera na violência: “Não acredito que um ser humano agüentasse tanta pancada e chicotadas de diversos tipos. Penso que por mais que ele tenha sido alguém diferente, filho de quem foi, nasceu humano e nenhuma pessoa resistiria a tanto e por tanto tempo, até porque 12 horas não são 12 minutos”.
Rafael Daren, 21 anos, estudante, católico, fala que a obra é forte, choca as pessoas e faz com que pensem de forma diferente toda a história e a vida. O público não conhecia na bíblia muitas das coisas mostradas. E para mim, A Paixão de Cristo foi fiel aos evangelhos e não coloca os judeus como únicos culpados pela morte de Jesus.
A história de Cristo mudou a visão do comerciário Leandro Schmitz, 21 anos, católico. “Fiquei impressionado com cada cena. Tudo me marcou e acho que foi muito bem relatado o último instante de vida de Jesus”, assegurava na saída do cinema. Ele não acredita que Gibson tenha demonstrado algum tipo de preconceito contra os judeus.