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Matéria 0580, publicada em 24/03/2004.


:Robson Silva/Especial Revi

Ministro da Educação Tarso Genro

Governo quer universidades nos trilhos do interesse público

Karine Kavilhuka

Desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência, uma dose de esperança reanimou os brasileiros que, pela primeira vez, viram um partido de esquerda no comando do país. Um ano se passou e a "tal herança" dos governos anteriores, segundo o atual governo, fez com que pouca coisa mudasse em 2003.

Em meio a reformas e leis, chegou a vez dos ministérios. A Educação ganhou Tarso Genro, após Cristovam Buarque, atual senador do PT pelo Distrito Federal, ser demitido por telefone no final de janeiro deste ano. Entre ofensas e mal-entendidos, Lula disse à Folha de São Paulo que não agüentava mais “acadêmicos” no governo e que tiraria Cristovam. “Quero ministros para apresentar resultados, não para ficar com tese, com conversa. Por isso, estou pegando essa turma boa da Câmara”. Desde então, alguns pontos mudaram no rumo da educação brasileira.

Tarso Genro começou a trabalhar mesmo antes de sua posse, que foi em 27 de janeiro. O presidente pediu a ele urgência na reforma do ensino superior. Segundo o plano de governo Lula, a média de escolaridade de um brasileiro é de quatro anos. O mesmo documento destaca “que não pode mais haver vacilação quanto à importância estratégica dos investimentos nessa área”. Ressalta também que os mais pobres não têm acesso ao ensino superior e “7,7% dos jovens de 18 a 22 anos freqüentam cursos universitários. Cerca de 70% deles estudam em estabelecimentos privados”. Novos balanços revelam que a taxa de jovens na universidade subiu para 11%, ainda muito baixa comparada, por exemplo, com os 40% da Argentina.

A vinda do atual ministro da Educação a Joinville, na última semana, serviu para reforçar o que já se sabia: a reforma não será imediata. “No Brasil nada é feito sem dificuldades”, enfatiza ele. Uma nova regulação para o ensino superior está em andamento e as universidades “caça-níqueis” entrarão nos “trilhos”, como o próprio ministro destacou.

As vagas ociosas, segundo Tarso Genro, hoje chegam a 37,5% nas instituições privadas. Para que a população de baixa renda tenha acesso a elas, uma das propostas é que essas vagas sejam ocupadas em troca de isenção de impostos. Outro ponto da reforma destacado por ele, em entrevista coletiva no Centreventos Cau Hansen, domingo, dia 15, foi a política de cotas. Nesta semana Tarso vai enviar uma proposta de Medida Provisória para resolver logo a questão. Segundo ele, não se pode discriminar em função da cor, por isso o governo vai normatizar de maneira ampla a política de cotas, estabelecendo um percentual a ser trabalhado em conjunto com a questão social. Trabalhando com essas duas variáveis o ministro assegura que teremos uma política educacional afirmativa e de caráter reparatório.

Como será feita a reforma universitária?

Tarso Genro – Não vamos fazer de maneira irresponsável e rápida, tudo vai ser planejado.Vamos ampliar e reforçar a universidade pública, requalificar as relações de público e privado e utilizar as vagas ociosas nas instituições privadas, permitindo assim um maior acesso da população ao ensino superior. Ela não será uma imposição, será uma proposta, negociada e que melhor se adapte à conjuntura histórica que estamos vivendo. Mas o governo tem princípios sobre os quais não abre mão. Tem que ter uma nova regulação entre público e privado, tem que reforçar o sentido público da totalidade do ensino superior. Fortalecer as instituições públicas e até mesmo buscar novas categorias jurídicas. Não queremos sufocar as instituições privadas, só queremos colocar aquelas que não estão nos ´trilhos` do interesse público. A reforma tem de tratar de alguns temas chaves para o futuro do ensino superior do Brasil. Por exemplo, a relação entre a universidade pública e privada, a questão da relação da universidade com a sociedade, a questão do acesso e cotas. E a mais importante, que é a questão do financiamento da universidade. Porque qualquer reforma, por melhor que seja, se não estiver respaldada em um financiamento, ela é apenas uma retórica e não uma reforma. E esse é um tema chave que vamos discutir.

O senhor acredita que não terá dificuldades para aprovar a reforma?

Tarso – Nada no Brasil é feito sem dificuldades. A universidade deve estar integrada num projeto nacional, sendo contrastada para aquilo que queremos para daqui a 30, 40 anos. Senão não há finalidade de se fazer uma reforma. Quando se discute hoje o projeto nacional, se discute a predominância do público sobre o interesse privado. Discute-se o acesso da população de baixa renda ao saber, a inclusão social e a retomada do crescimento em níveis elevados. Portanto, vai ser um debate muito duro, mas a sociedade brasileira está madura para este debate. Tenho convicção que vamos formar uma ampla maioria social e política para reformar a universidade brasileira e integrá-la num projeto de nação.

Como será essa relação público-privado e de que maneiras as universidades pagariam o investimento público feito nelas?

Tarso –O governo não tem uma mentalidade represália contra as instituições privadas, tem sim uma função regulatória. Agora, por exemplo, foi aprovado o Sistema Nacional de Avaliação. Este será um poderoso instrumento de regulação que o governo vai utilizar e, ao mesmo tempo, temos um grupo executivo trabalhando numa reforma do Conselho Nacional de Educação. E também, numa reforma legal dos critérios que o governo é obrigado a lidar para permitir o funcionamento dessas instituições. Não estamos querendo cobrar a conta de alguém, vamos fazer um trabalho regulatório para melhorar os processos de certificação e de registros das instituições.

Qual a linha geral do Projeto Universidade para Todos?

Tarso – Esse projeto é uma política imediata, vamos verificar se vai ou não ser integrado na reforma ao longo do ano. O projeto vai determinar a melhoria na qualidade de ensino daquelas universidades que entrarem no processo conveniado e que não têm uma qualidade adequada. Temos que dar uma nova qualidade para essas instituições. Estamos convidando reitores, tanto das públicas quanto das privadas, professores e a sociedade civil, para que em novembro esteja pronta a lei orgânica de regulação do ensino superior. Esta lei vai ser apresentada ao presidente que a remeterá ao Congresso Nacional. Sem a lei nada acontecerá, já que ela é a base para as reformas.

O senhor descarta a federalização das universidades?

Tarso – Não, não descarto, isso pode ocorrer, mas obviamente não vamos conseguir federalizar, e nem queremos, todas as instituições não públicas do Brasil. O governo vai dar preferência para jogar recursos públicos nos locais onde não há nem públicas e nem privadas.

O senhor defende a criação de conselhos de controle externo das universidades públicas e privadas. Esses conselhos não tirariam a autonomia das universidades sobre suas atividades?

Tarso– Não podem e não devem tirar. Estamos falando num controle social de universidade, quer dizer, são conselhos de autonomia consultiva e indutora. Eles não podem tirar a autonomia das universidades, sejam elas públicas ou privadas.

Quem formaria esses conselhos?

Tarso – Isso está em debate. Na Europa há duas possibilidades que foram trabalhadas nas reformas. A formação de um conselho da universidade civil, dentro da universidade, ao lado do conselho universitário, que se comunica por diversas comissões. Ou a participação da sociedade civil dentro do conselho universitário como outra hipótese, claro que em minoria, para que a universidade não perca sua autonomia. Ela não pode estar subordinada a partidos e governo. Não temos essa visão e não vamos trabalhar com ela.

Ministro, há uma ociosidade de vagas nas instituições privadas. O governo prevê que essas vagas sejam públicas, como isso vai funcionar?

Tarso – Temos 37,5% de vagas ociosas nas instituições privadas e o governo tem de colocar essas vagas privadas à disposição de pessoas de baixa renda. Em algumas instituições com a regulação do artigo de lei já existente, que determina a gratuidade, em outras vai pegar determinados impostos e fazer acordos sobre eles. Não é obrigatório, a universidade vai aderir ou não a esse projeto. Com negociações vamos utilizar vagas privadas para pessoas de baixa renda. Um exemplo já existente no Brasil é o SUS (Sistema Único de Saúde), onde o governo - porque não têm hospitais estatais suficientes - enquadrou no SUS, via compulsória, determinando 70% das vagas privadas ao SUS. Não sei o porquê das pessoas não quererem que os pobres estudem em vagas não ocupadas em instituições privadas. Não vejo nenhuma fundamentação moral, nem política, nem econômica para isso. Já recebemos várias ofertas e participação, e boa parte das instituições que não estão gostando destas propostas é porque são sem fins lucrativos que não se ajustam a suas finalidades. Elas na verdade são empresas disfarçadas. E com essa metodologia terão que aparecer ´à luz do dia´. Se a instituição não tem fins lucrativos e tem 20 vagas ociosas, o que ela vai perder ocupando essas vagas? Nada, ela vai ganhar, as pessoas que entrarem vão comprar nas livrarias, vão comprar material escolar, e utilizar o sistema de transporte da universidade. Temos ainda a meia bolsa, onde a família com uma renda um pouco maior vai utilizar metade dessas vagas. Então, não tem uma perda para ninguém. Haverá dois tipos de bolsas. A instituição propõe quantas meias bolsas quer oferecer, negociaremos, e o MEC, através de critérios, irá selecionar as pessoas que ocuparão essas vagas ociosas. Que pode ser através do ENEM, vestibular local ou outra forma de seleção.

Como vai funcionar a política de cotas?

Tarso – Nesta semana estamos enviando uma proposta de MP para encaminhar imediatamente esta questão das cotas. É uma questão que temos que resolver de uma maneira breve. A idéia é que aqui no Brasil tem uma fusão da questão racial com a social, mas também tem outro elemento, um elemento de reparação que o Estado brasileiro deve à comunidade negra, ao afrodescendente. Essa reparação deve ser trabalhada com aquilo que chamamos de políticas afirmativas, e essas não podem extinguir o mérito como elemento central para que a pessoa entre na universidade. O que seria inclusive uma degradação do governo com essa questão. Agora, é possível combinar a política de cotas com a manutenção do mérito e com a questão da origem social. Posso dar um exemplo: entre um afrodescendente pobre e um jovem cidadão não afrodescendente, mas pobre também, os dois chegam à porta da universidade com a mesma nota. É justo discriminar em função da cor? Na nossa visão, não. Temos de normatizar de maneira ampla, dizer que a política de cotas é obrigatória e estabelecer um percentual, para que esse percentual seja trabalhado na política de cotas em conjunto com a questão social. Trabalhar com as duas variáveis. Assim teremos uma política afirmativa e de caráter reparatório. A proposta já está pronta.

Após a entrevista o ministro da Educação instalou o Fórum Catarinense de Política da Educação Superior que auxiliará na reforma universitária em Santa Catarina. O Fórum formado por 33 integrantes, conta com mais quatro membros na direção. Para a presidência, Tarso Genro nomeou o secretário de Estado da Educação e Inovação, Jacó Anderle.

Em seguida, o ministro, acompanhado pelo governador Luiz Henrique da Silveira, participou da abertura da 71ª reunião plenária do Conselho de Reitores da Universidade Brasileira (CRUB), cujo tema foi “O papel da Pesquisa e da Pós-graduação no Contexto das Instituições de Ensino Superior”. Na reunião, Tarso Genro voltou a falar da reforma universitária e reforçou as propostas sobre a política de cotas.

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