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Matéria 0385, publicada em 03/10/2003.


O descaso da Instituição Ielusc

Raquel Panstein e Taise Gehrmann, acadêmicas do 6° período de Enfermagem

O estágio na disciplina de Introdução à Saúde Pública (4° semestre) nos instigou a relatar sobre o projeto de educação em saúde que realizamos na comunidade do Parque Joinville.O trabalho foi realizado com crianças de 3 a 10 anos da Cozinha Comunitária Chico Mendes e com crianças de 3 a 6 anos do Centro de Educação e Recreação Infantil Castelo Branco (CERI). Enfocamos a rede básica de saúde e o processo de territorialização. Estabelecemos como objetivo principal a promoção de saúde, utilizando novos métodos e estratégias, fugindo do modelo assistencial tradicional, avançando na proposta de aplicação dos conceitos formulados por Eugênio Vilaça Mendes no livro Distrito Sanitário, de 1999. Para tanto, utilizamos várias estratégias educativas como modo de enfatizar a prevenção de pediculose (piolhos), escabiose (sarna), verminose e cárie.

Depois de revisar várias vezes o texto contendo o resumo do projeto, decidimos enviá-lo para a Comissão Científica do VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva avaliá-lo. Aguardávamos ansiosas pela resposta quando chegou um e-mail confirmando a apresentação do nosso projeto, sob forma de pôster, no congresso, que aconteceria de 29/7 a 2/8/03, em Brasília.

A alegria tomou conta de nós, porém nem imaginávamos o que nos esperava. Procuramos a Coordenação do Curso de Graduação em Enfermagem, compartilhamos a novidade e pedimos ajuda, já que iríamos representar a INSTITUIÇÃO IELUSC em Brasília. A coordenação de Enfermagem sugeriu que elaborássemos uma carta, e que remetêssemos para um deputado federal, pedindo ajuda de custo. O motivo de tal postura deve-se ao fato de que nunca foi possível contribuir financeiramente com professores nem com alunos que foram para outros congressos representando o curso de Enfermagem, contudo iriam conversar com a direção da instituição.

Esperamos, esperamos e esperamos uma resposta formal, oficializada, porém, recebemos um comentário breve e negativo, enquanto passávamos pelo pátio da instituição.

Elaboramos uma nova carta, buscando forças junto aos nossos colegas acadêmicos. Estes assinaram, concordando com o nosso pedido à instituição e então enviamos às coordenações de Enfermagem, de Turismo e de Ensino, Pesquisa e Extensão.

Participamos da reunião do Conselho Técnico Acadêmico (CTA) para expressar nossa indignação e novamente provocar uma reflexão a respeito da responsabilidade da instituição de buscar saídas, já que este é lugar de aprendizado, buscas, mudanças e transformação.

A coordenação do Curso de Turismo se dispôs a conversar novamente com a direção do Ielusc para ter uma resposta oficial. A Instituição não conseguiu encontrar saídas frente ao momento, dito “crítico”, em que se encontrava.

Chegamos a pensar em não levar o nome da INSTITUIÇÃO IELUSC para o VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Por que representar uma instituição que num primeiro momento não se manifestou formalmente para explicar os porquês da impossibilidade de nos ajudar? Instituição que no nosso entender deveria encontrar maneiras para mudar a realidade e não se acomodar a ela; que deveria ter núcleos de pesquisa ativos, incentivando os alunos nessa outra maneira de aprender, enfim, que deveria estar disposta a buscar caminhos para que o aprendizado não ficasse alienado aos limites territoriais da instituição.

Quando agimos eticamente representamos algo que temos orgulho, que sentimos alegria em dizer de onde viemos.

A coordenação de Turismo se mostrou disposta a buscar saídas, resolveu acreditar que era possível e assumiu a responsabilidade da INSTITUIÇÃO IELUSC. Enviou correspondências às empresas de turismo da cidade até conseguir a contribuição de uma passagem de ônibus de ida e volta para Brasília.

Nesse tempo de espera propomos à coordenação de Enfermagem que contribuísse pelo menos com a impressão do pôster, mas a resposta foi um questionamento a respeito de como iríamos levar esse material até Brasília, pois PODERIA AMASSAR. Com muita cautela, enfocamos que gostaríamos de uma resposta a cerca da contribuição com a impressão. Então nos questionaram se o pôster deveria ser colorido ou não, e que, dependendo disso, poderia ser impresso. Depois de mais um intervalo de tempo, nos procuraram dizendo que poderíamos, enfim, imprimir o pôster colorido.

Chegou o a hora de ir para o Congresso. Nem parecia verdade, mas era real. Havíamos conseguido vencer o comodismo e a falta de compromisso da INSTITUIÇÃO IELUSC.

Portanto, a nossa ida para Brasília foi, em primeiro lugar, uma grande vitória e, em segundo, de viagem acoplada a aprendizado.

Tratou-se de uma oportunidade privilegiada e única. Percebemos o quanto a vida acadêmica em si nos aliena, nos faz olhar apenas para o nosso “EU”, esquecendo do todo, do coletivo. Devemos estar no mínimo dispostas para abrir espaço de reflexão a respeito de novos estudos, de novas idéias, de novas posturas.

O VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva foi um espaço de discussão a respeito da saúde, respaldado nos pilares da Justiça, da Cidadania, da Ética, ou seja, de princípios necessários para que a saúde “aconteça”.

Esse espaço reforçou o quanto é importante estar disposto a buscar, a construir e até desconstruir idéias já formadas. Proporcionou uma troca infinita de idéias com outros congressistas e palestrantes a respeito do que foi debatido e do que aprendemos na academia.

Algumas falas que nos chamaram a atenção durante todo o VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva estão citadas abaixo:

“Devemos usar o potencial que temos em nossa profissão de Saúde para promover a paz a partir das relações”; “A paz em Moçambique só aconteceu a partir do momento em que os diversos atores sociais tiveram coragem de sentar à mesa e dialogar”. (Pascoal Manuel Mocumbi, Primeiro Ministro de Moçambique)

“É de suma importância estar de olhos abertos e aprender a dialética e o que está por detrás das linhas”; “A bioética de intervenção debate o conflito Individual X Coletivo. A autonomia é importante, porém o EU afoga o coletivo e resulta no individualismo acoplado ao egoísmo”. (Volney Garrafa, Odontólogo e professor de Bioética da UnB)

“O modelo econômico atual – neoliberalismo – mudou totalmente a visão teórico-prática do coletivo. Há uma maneira disfarçada de ocultar os fatos. Exemplo: a palavra “desnutrição” é substituída pela idioma inglês como “underweight”, isto é, “baixo peso”. Ou seja, a realidade não é percebida em sua profunda totalidade”. (Giovanni Berlinguer, sanitarista italiano).

“O nosso cuidar deve ser olhado, sonhado e vivido pelas pessoas em relação à saúde”. (Sonia Acioli, expositora da Comunicação Coordenada – A Sabedoria Prática Como Opção Conceitual e Metodológica no Campo da Saúde Coletiva).

“Medidas alternativas, lúdicas e educacionais constituem um desafio para a Saúde Coletiva e apresentam eficácia”. (Madel Terezinha Luz, antropóloga, professora da UERJ na área de Medicina Social).

O congresso reforçou o que já havíamos aprendido na disciplina de Introdução à Saúde Pública, ou seja, não devemos reduzir a saúde ao modelo hospitalocêntrico, mas abrir o leque e perceber a sua importância no dia a dia, como maneira de prevenção e promoção de saúde. A partir de um olhar holístico é que podemos perceber em que contexto social, cultural e econômico o ser humano está inserido.

"O mundo não é. O mundo está sendo (...), meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências (...). Constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela (...). Ninguém pode estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade." (FREIRE, 2000, p. 85-86)

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