A partir do mês de setembro, a Revi está publicando o conteúdo do jornal Primeira Pauta Especial Entrevistas desenvolvido pela turma do sétimo semestre de Jornalismo, com a coordenação do professor Samuel Pantoja Lima. A edição tem 11 entrevistas distribuídas em 24 páginas. A iniciativa tem por objetivo expor os trabalhos acadêmicos e também disponibilizá-los para futuras pesquisas.
Ela começou como faxineira de um motel. Para abrir um bar trocou a TV por três meses de aluguel. De prostituta à empresaria da noite: MARIA MARLENE DA SILVA.
A mulher que chegou virgem aos 16 anos na cidade é hoje dona de uma das maiores casas de prostituição na região norte do Estado. Ela já não faz “programas” há muitos anos, mas quem ainda não ouviu falar da boate da Marlene? Quase um mito. Tanto que existem duas: uma rica e outra pobre. A Maria Marlene da Silva, de 44 anos, de 1m62, 49 kg, natural de Pacajues, uma pequena vila no interior do Ceará, diz que nasceu "mais pobre do que rato". Fugiu da casa dos pais adotivos em Fortaleza, na carona de um caminhão. Queria ganhar dinheiro e conhecer sua família biológica. Depois de quase 30 anos trabalhando na noite, seu patrimônio é igual ou maior a da outra mulher que usa o mesmo nome, mas é conhecida como a “rica”. Para Marlene, a pobre, o dinheiro sempre teve um significado muito mais importante do que qualquer coisa, até mesmo do que o amor. A entrevista com a empresária da noite joinvilense foi concedida minutos depois que ela acordou, por volta das 21h ainda na sua cama, enquanto ela se preparava para ir trabalhar.
Primeira Pauta - Para começar: existe uma Marlene pobre e outra rica?
Maria Marlene da Silva - Eu sou a pobre. Sou a primeira. Mas o meu nome é verdadeiro Maria Marlene da Silva e da outra é só nome de guerra. Sei que ela é de São Bento do Sul e que começou no mesmo período que eu. Trabalhamos um tempo na mesma boate.
PP - Qual a história da sua família?
Marlene - Segundo informações sei que tenho 12 irmãos, mas eu não conheço todos. Só conheci minha família biológica depois que eu já estava morando aqui. Quando arrumei dinheiro, fui atrás deles em Pacajues no Ceará, porque até então eu não conhecia ninguém. A minha mãe biológica me deu pra uma família que foi morar no Rio de Janeiro e que depois se mudou para Fortaleza. Eles eram maravilhosos comigo, mas os deixei porque queria arrumar dinheiro e encontrar minha verdadeira família. Hoje eu os ajudo. Tenho dois irmãos que moram comigo, construí uma casa para minha mãe, comprei um carrinho para ela e daqui uns dias vou trocar novamente todos os móveis de sua casa.
PP - Como você iniciou a sua trajetória?
Marlene - Vim sozinha com a cara e com a coragem na carona de um caminhão. Primeiro fui até Brasília e de lá vim pra Joinville acompanhada de uma colega minha, também chamada Marlene, que era casada com um cara daqui. Eu era pura quando cheguei aqui. Fui trabalhar no motel Budal como faxineira. Depois de cinco anos, troquei a televisão por três meses de aluguel e montei um barzinho. Mas continuei por mais dois anos no motel.
PP - Quando você começou a se prostituir?
Marlene - Com 17 anos conheci um cara de 54. Foi ele quem me levou para boate Sonho de Cristal, que ficava na rua do Príncipe, no centro da cidade. De dia trabalhava no motel e a noite na boate.
PP - Quando se fala na Boate da Marlene aqui em Joinville, dificilmente alguém desconhece. Como você consolidou seu nome na cidade?
Marlene - Isso é verdade. Às vezes eu até me surpreendo quando vem empresário de São Paulo e de Brasília dizendo que já ouviu falar da minha boate. Eu construí meu nome conquistando amizades. Conheci muita gente importante não só de Joinville, mas também de Jaraguá do Sul que me deram oportunidade de crescer. E construí meu nome porque sempre fui muito honesta, nunca avacalhei com ninguém. É lógico que a pessoa que deve e não paga, que é velhaca, nunca vai ter um nome.
PP - O dinheiro pelo status, o dinheiro pelo poder ou o dinheiro pelo respeito?
Marlene - O dinheiro pelo poder. Porque se você não tem, ninguém te olha e nem te respeita. Eu vou ao banco todos dias, sou muito bem tratada. Viajo quando quero. Eu prefiro dinheiro a amor. Acabou o dinheiro, acabou o amor. É só o prazer do dinheiro. Não existe outro prazer.
PP - Mas você já se apaixonou?
Marlene - Sim. Aos 19 anos conheci um homem que por sinal tinha muito nome em Joinville, mas não vou te dizer quem é, mas se trata de um conhecido empresário da cidade. Ele largou a mulher e a família para me assumir. Mas aquilo não era eu, não era pra mim. Eu até que tentei. Às vezes a gente ia jantar no Harmonia Lyra e eu ficava perdida. Vivemos juntos como casados por 14 anos, mas eu nunca deixei de trabalhar, nunca deixei a boate. Ele queria que eu largasse tudo pra me tornar uma madame. Parar de trabalhar pra ele me sustentar. Mas eu não nasci pra ser madame, nunca gostei de ser sustentada por homem nenhum na minha vida. Queria ser livre, independente. Quando acabou eu saí só com a roupa do corpo. Larguei tudo o que tinha, uma casa linda e maravilhosa. Saí fora e fui cuidar da minha vida. E não me arrependo.
PP - Foi algo do tipo conto de fadas: um príncipe que apareceu na sua vida?
Marlene - Ah, na época sim. A gente viajava, fazia compras e toda semana eu ia ao cabeleireiro. Tinha que estar sempre bonita. Eu sou feia, mas qualquer pessoa enfeitada fica bonita!
PP - Por que tudo acabou?
Marlene - Porque eu peguei ele na nossa cama na casa de sítio com uma menina de 17 anos. Ele saiu para passar o final de semana me dizendo que ia colher tangerina. Eu precisei ir até lá para dar uma notícia e quando cheguei os dois tinham acabado de sair do banho. Eu larguei tudo e disse pra ele: só não se mete com a boate, porque se não eu coloco fogo em tudo.
Mas hoje em dia a gente se dá bem. Ele tem 77 anos e mora na casa que era nossa e que eu paguei sete anos de financiamento. O meu filho de 18 mora com ele, mas eu o vejo todos os dias.
PP - Como é a sua relação com seu filho?
Marlene - É muito boa. A gente conversa quase todos os dias e fazemos viagens juntos. Ele tem um quarto aqui em casa pronto para quando ele quiser vir. Ele faz faculdade de direito e pretende atuar na área de seguros, com a qual ele trabalha.
PP - Você é fiel?
Marlene - Sou. Até que eu sei que não aprontou comigo. Se aprontar eu saio fora. Eu vivo há seis anos com um homem, mas se eu souber que ele aprontou, termino. Porque não existe nessa vida, se existe nasceu morto, um homem que seja fiel e honesto com a sua mulher. Eles podem respeitar. Porque respeito é uma coisa, traição é outra. Agora, quem diz que nunca traiu é mentira.
PP - Você é feliz?
Marlene - Sou feliz na medida do possível. Porque a felicidade é você quem faz. Eu tenho uma amiga - minha vizinha - que veio me falar, embora eu já estivesse sabendo, que o seu marido a estava traindo com a secretária dentro da sua casa. Ela veio desabafar, me dizer que estava muito deprimida, infeliz. Se amar for isso, então eu nunca amei, porque eu nunca fiquei nessa. Para mim o dinheiro é muito mais importante do que o amor.
PP - O que lhe parece que sua vizinha, que mora ao lado da boate, venha lhe falar sobre traição?
Marlene - Aí que está a questão. Muitos falam das prostitutas, porque são isso e aquilo, enquanto um monte de meninas traem com o chefe por apenas um jantarzinho. Só que essas não são profissionais. As minhas meninas fazem isso por dinheiro. Não incomodam. Não querem fazer um casal se separar.
PP - O que é o preconceito?
Marlene - Sabe o que é o preconceito: o pessoal sabe que eu tenho bordel - para dizer o português bem claro - e tem algumas pessoas que quando estão ali dentro falam e se divertem. Mas quando elas estão do lado de fora, fazem de conta que não me conhecem e até mudam o rumo. Isso para mim é preconceito, alguém fazer de conta que não me conhece. Mas não importa. Eu também não faço questão e se me cumprimentar eu não dou muita bola.
PP - É pior enfrentar esse tipo de comportamento ou ouvir discursos radicais sobre moral e bons costumes?
Marlene - Ah, eu acho que é ouvir aquelas pessoas que acham que são radicais. Muitas vezes eu chego num lugar e elas não sabem quem eu sou. Eu nunca me identifico pra ninguém, só quem me conhece mesmo. Então nas vezes em que chego num lugar e tem um grupo de mulheres, principalmente no cabeleireiro, e elas estão falando: “...ah, porque meu marido é isso e aquilo..., ah é um absurdo tem uma zona perto da minha casa..”. Só que elas têm que saber que seus maridos não são santos. Ninguém pega eles e os leva pra dentro da boate. Se hoje em dia alguma mulher casada vier me dizer que seu marido é fiel, eu vou chamar ela de mentirosa. Por que do contrário como é que eu estaria sobrevivendo?
PP - Já houve muitos casos de escândalos dentro da boate?
Marlene - Já fui obrigada a dar alguns tapas. Tem mulher que vai na boate atrás de seu marido e chama a gente de vagabunda. Não vou aturar isso. Muitos homens vão lá na boate para se divertir, porque por aí a cerveja custa R$ 2,00 ou 2,50 e aqui é R$ 5,00, mas tem música ao vivo, show de strip. E o que é uma zona? A maioria desses clubes aqui na cidade tem garota de programa também. São todas meninas que você olha e diz: não pode ser. Quase todas as minhas meninas vão nas boates do centro. Quem é que vai saber que são as `quenguinhas` da Marlene? Antigamente as mulheres da noite eram mais depravadas, hoje em dia não. Elas são bonitas, estudam e até trabalham em outros locais. O homem para querer bagulho fica na casa dele.
PP - Qual o seu patrimônio?
Marlene - Eu tenho a boate, minha casa, oito kitinetes alugadas. São doze imóveis no total e mais três carros: uma pajero, um palio e uma van.
PP - Como você administra seus negócios?
Marlene - Engraçado, eu faço tudo o que é tipo de conta! Vou todo dia ao Banco do Brasil e eles ficam surpresos comigo, porque eu sei tudo o que vai entrar na conta.
Chamaria isso de ‘tino comercial’ ou que a vida lhe ensinou? A vida me ensinou. Mas um pouco é da inteligência da pessoa, porque tem muita gente que estuda e não se dá bem. Eu não. Fiz a 8.ª série, entrei no 1.º e não terminei, mas sou eu quem cuida de tudo.
PP - Quantas pessoas trabalham para você?
Marlene - São 10 funcionários registrados que trabalham na Boate e também na minha casa.
Tem também as meninas. Cerca de 40 mulheres trabalham pra mim. Em média 20 ou 25 mulheres por noite. De segunda à sexta-feira. Algumas moram na boate e eu dou comida para elas, outras só vêm à noite.
PP - E como é essa relação?
Marlene - Eu tenho que controlar elas, porque às vezes bebem um pouco demais e se passam. Mas elas têm o maior respeito por mim. Sabem do meu passado, da minha história. Elas vêm ganham o seu dinheiro e vão embora. A maioria está estudando e eu incentivo elas.
PP - Como você previne a AIDS e as drogas dentro da boate?
Marlene - A AIDS existe e é um problema. Mas as meninas assim que entram têm que ter carteirinha de saúde. A vigilância faz um trabalho muito bom. Ficam em cima, fiscalizando, dando palestras, distribuindo camisinhas. As meninas têm uma cabeça boa. Eu comecei muito cedo, mas sempre tive uma cabeça boa. Eu tenho pena é dessas pessoas que entram na noite e se perdem, porque eu nunca fui no embalo de puxar fumo ou cheirar cocaína. Eu já cheguei a pagar tratamento para meninas que tiveram esses problemas.
PP - Qual a sua relação com a política?
Marlene - Eu conheço muitos políticos até mesmo de Brasília. Mas eu procuro andar sempre na linha e não pedir muito para não deixar rastros para eles. Eu não gosto de falar de política, não me interessa porque são todos uns mentirosos.
PP - O que te interessa?
Marlene - Eu não sou de falar muito. Saio pouco, ninguém me vê por aí na rua. Vou ao supermercado e ao banco todos os dias. Amo viajar. Vou a Fortaleza, a Natal, já fui aos Estados Unidos. Quanto menos eu conversar com as pessoas, melhor eu me sinto. Agora dentro da boate é diferente, lá dentro brinco, danço, me divirto, faço a minha comunicação.
PP - Você já conquistou tudo o queria?
Marlene - Quero reformar minha boate e fazer dela a mais rica e bonita de Joinville. Depois disso posso morrer. Quis ter um carro zero já tive. Quis ter apartamentos e casas também. Daqui uns dias vou viajar para Paris que era um sonho. Tudo o que eu quis já tive porque eu sempre sonhei alto. Sempre fui ambiciosa.