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Matéria 7723, publicada em 24/11/2008.


:Luiza Martin

Córrego em frente à pequena favela da Rua XV de Novembro, em Joinville, transbordou

Chuva transforma ruas de SC em rios intermitentes

Luiza Martin


Santa Catarina está em estado de emergência. Nas cidades litorâneas como Florianópolis, Itajaí e Balneário Camboriú as águas doces suplantaram as ruas e foram em direção ao mar. No Médio Vale do Itajaí — onde aconteceria a 48ª Edição dos Jogos Abertos de Santa Catarina, cancelada no dia 23 devido às enchentes —, Rio dos Cedros, Timbó, Benedito Novo e Indaial ficaram ilhadas. Nos municípios do norte do estado a situação também é grave. Em Jaraguá do Sul está prestes a ser decretado estado de calamidade pública, Joinville tem 2 mil desalojados e Garuva sofre com a falta de água e mantimentos, agravados pela interrupção das estradas de acesso. As ruas das cidades viraram rios intermitentes.

O nível da água baixou 30 centímetros de segunda para terça-feira, segundo Hugo NetoA Univali (Universidade do Vale do Itajaí), apesar de ter sido cercada pela água, se tornou abrigo para os desalojados de Itajaí. O tatuador Hugo Neto, que mora na rua Uruguai, situada nas cercanias da universidade, conta que o lugar onde vive é um dos poucos não afetados, uma "ilha de refúgio". A dificuldade de conseguir alimentos só aumenta, segundo ele. Hugo relata que há racionamento e que “limparam as prateleiras” de um armazém, transformado em opção para o consumo, pois os supermercados estão fechados. O tatuador teve, então, que descongelar o chester reservado para o Natal. Além do movimento de barcos nas ruas que viraram rios, helicópteros trafegavam pelos céus da cidade. “Isso está um caos”, disse Hugo, que ajudou sua mãe, Bethy Souza, a transladar alguns pertences da casa dela para a dele, no domingo. Hugo Neto fotografou o interior da casa, onde a geladeira boiavaNa segunda-feira, ele retornou à residência da mãe, a nado. Até o portão a água atingia o seu peito — ele mede 1,88 metros. Até a casa, ele teve que ir nadando para conseguir resgatar Nina Flor, a gata de estimação da família.

O professor do Ielusc Frederico Carvalho viajou de Joinville para Florianópolis na manhã de sábado e observou a BR-101: “Chovia muito. Havia pequenos trechos da pista alagados. Em Tijucas, Biguaçu e proximidades os pastos já estavam tomados pela água, mas com camada fina”. Tentando vir para Joinville na segunda-feira, Fred, como é mais conhecido, se deparou com uma estrada prejudicada pela água nas imediações de Itajaí, onde o líquido formava poças de 70 centímetros de profundidade. Ouvindo à conversa de pessoas que faziam a manutenção da rodovia, o professor ficou sabendo que, na região de Piçarras, a água se acumulava e encobria trechos de 2 metros de altura. Perto de Brusque, no sentido sul-norte, a estrada estava toda tomada. Sobre Floripa, Frederico conta que a região mais atingida é a da ilha. O Centro e suas cercanias estão sem alagamentos e a região mais crítica se concentra nos morros e nas praias, para onde escoam as águas da chuva. Choveu muito durante o dia, com intervalos de sol.

Tifa Martins, Vila Lenzi e Barra do Rio Cerro são os bairros mais atingidos de Jaraguá do Sul. Durante metade do dia 24 de novembro, a prefeitura do município ficou sem luz e seus funcionários foram à Arena Jaraguá reunir doações destinadas à população mais atingida pelas enchentes. Ao todo, 15 casas desabaram. As ruas do Centro, da Ilha da Figueira e de outros lugares de Jaraguá Esquerdo estão ainda alagadas. No bairro Baependi, onde mora a estudante de jornalismo do Ielusc Débora Kellner, havia alagamentos no sábado, que já cessaram na segunda-feira.

O km-13 da BR-101, em Garuva, sofreu desmoronamentos e delizamentos de terra, como ilustra a foto de Ismael BergemannGaruva está sem acesso terrestre. As estradas bloqueadas impedem a chegada de mantimentos e o reparo da tubulação de água. A terra dos deslizamentos entupiu o encanamento da rede de distribuição. De acordo com Gisele Krama, aluna de jornalismo do Ielusc, os estoques de água mineral estão sendo racionados — ou se bebe ou se usa na comida. Tem sido comum ver os moradores coletando o fluído das calhas para uso em outros afazeres domésticos e para higiene pessoal. Outras fontes de abastecimento são os rios que fazem divisa entre Garuva e Paraná. Desde sábado, quando faltou luz, Gisele está sem água em casa. Ela conta que três pessoas morreram. Uma delas é Jair Dias, que fora buscar dinheiro e documentos na sua banca de produtos artesanais e acabou atingido por uma massa de terra. O velório aconteceu nesta segunda-feira e ainda chovia na cidade.

O centro de Joinville já estava alagado às 8 horas do sábado. Outros bairros foram atingidos. O Vila Nova, que tem a tradição do arroz e das chuvas, mas não das enchentes, sofreu com alagamentos em quase todas as suas vias de acesso. Dos três caminhos, um era a rua XV de Novembro, inundada na porção do galpão da Madol e da pequena favela. Os outros dois caminhos são traçados da BR-101, em direção a Garuva, passando pelo posto de gasolina para chegar a uma estrada de chão, que leva a uma passagem por debaixo do viaduto. O final da rua Ivorã estava sendo cortado por um rio intermitente. Só veículos de tração 4x4 se arriscaram a passar. O único caminho não impedido era a rua Sebastião Jonk.

O rio da Avenida Tiradentes fotografado por Laís Martine Holetz BrandesEm Rio dos Cedros, cidade do Médio Vale do Itajaí, há muitos moradores ilhados. Laís Martine Holetz Brandes, estudante de Publicidade da Propaganda da Furb (Universidade Regional de Blumenau), mora próximo à rua principal da cidade, a Avenida Tiradentes, que estava submersa. Sua residência era um dos poucos lugares não atingidos pelas águas dos rios que cortam a cidade, o Benedito e o dos Cedros. Alguns moradores perceberam a iminência de alagamento e deixaram seus carros na rua em que mora a estudante. Um deslizamento de terra atrás do terreno onde foi construída a casa de Laís causou dez mil reais de prejuízo. Ela saiu para fotografar a vizinhança no domingo, 23 de novembro. Ficou “na margem da água”.

Na segunda-feira ainda choveu em Rio dos Cedros. Enquanto a tempestade não vinha, ficava uma garoa fina sobre a cidade. Pelo rádio, Laís recebia informações locais. Segundo ela, o comércio está parado, não há mercados abertos e nem saída para as cidades vizinhas (Timbó, Benedito Novo e Pomerode). A estudante acredita que o nível das águas tenha baixado. “Já vieram buscar alguns carros que colocaram aqui na rua”, explicou.

A água chegou ao tradicional asfalto bicolor da rua Aristiliano Ramos. O clique de Diego Busarello mostra o tráfego das 10 horasAnne Luise Buzzi mora em Timbó e desde que era criança não presenciava conseqüências da chuva iguais às que observou nos últimos três dias. Em 1992 as águas entraram na casa em que mora até hoje. No domingo à noite, às 22 horas, a estudante do curso de Farmácia da Furb ficou atenta aos arredores da residência. Temia que seu lar fosse alagado, pois a água cercava as ruas próximas e subia pelas duas extremidades da Aristiliano Ramos, que liga o bairro das Capitais a Rio dos Cedros e ao centro de Timbó.

Ainda há receio: “A maioria do pessoal da nossa rua já deixou os carros na rua Curitiba, para garantir”, disse Anne. A Escola Básica Professor Carodoso Juvenal Zanella, localizada em frente à casa da estudante, deveria servir de abrigo aos atingidos pela enchente, mas está vazia. A única rua não alagada dentre as que cercam o colégio é a Florianópolis, onde ela vive. Laís e Anne são alunas da Furb e ficarão sem aulas até 1º de dezembro.

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